SITARAMAN, Ganesh. The use and abuse of foreign law in consitutional interpretation. In:< http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1282177>. Acesso em 11 de agosto de 2009.
O artigo visa fornecer uma tipologia de usos do direito comparado, com o fim de esclarecer se este pode ser apropriadamente usado na interpretação constitucional, quando e quais os suportes e parâmetros para cada caso. Para isto, o autor aborda dois problemas:
- as justificativas a favor do uso e os argumentos práticos e principiológicos contra o uso do direito estrangeiro;
- as poucas formas de uso do direito estrangeiro, o que permite focar os estudos naqueles mais problemáticos.
Para o autor, as questões sobre o porque do direito estrangeiro obscureceram a indagação sobre os meios em que ele pode ser utilizado. Esta é a principal questão. Como só há um pequeno conjunto de formas em que o direito estrangeiro pode ser usado, pode-se fornecer uma avaliação clara sobre o seu uso apropriado.
São dois os grupos de justificativas e críticas sobre o uso do direito estrangeiro:
Democracia liberal: engloba aqueles que defendem quando a legitimidade e validade do direito constitucional são derivadas das opiniões das pessoas e é através do processo democrático de auto-governo que a constituição expressa os valores democráticos da nação. Apenas as decisões da nação exporiam as opiniões das pessoas. Nesta perspectiva qualquer material estrangeiro representaria considerar idéias e interesses de não-cidadãos. Mas há outros que defendem que a sociedade democrática invoca princípios e valores pré-constitucionais e universais, que transcendem os organismos nacionais, aplicando-se igualmente em todas as sociedades. Esta linha leva em consideração, também, a aplicação do direito estrangeiro como meio de legitimação no sistema internacional, uma vez que permite convergir práticas e normas, criando simples modelos, além de permitir promover um sistema de justiça que liga e reforça a comunidade internacional; e
Exatidão: segundo uma corrente o uso do direito estrangeiro teria problemas metodológicos como a seletividade ou o uso superficial das fontes. As leis de diferentes países seriam complexas e possuiriam um contexto próprio, cujo estudo demandaria tempo, esforço e custos. Mesmo se a situação de fato e o problema legal sejam similares, o texto constitucional pode ser interpretado de forma diferente, rendendo a similaridades meramente superficiais dadas por métodos tradicionais de interpretação constitucional, além da existência de diferentes direitos e valores. Ressalta-se ainda que as decisões judiciais tenderiam ser direcionadas, ou de alguma forma influenciadas, pela ideologia políticas dos juízes. Como a ideologia política dominante em uma Corte estrangeira pode mudar no tempo, algumas decisões passadas podem não ser de ajuda para o problema caso o juiz não as contextualize. Só que o ensino em Direito não oferece treinamento em história e metodologia para o direito comparado e em direito material de outras nações. Há também o argumento de que os juízes usariam tais decisões de forma seletiva e oportuna, buscando suporte para suas próprias posições pessoais. Outros há que, contrariamente, afirmam que ele forneceria maior informação e melhores fundamentos, já que possibilitaria atenção às novas abordagens e à abordagem mais empregada em Cortes estrangeiras, que poderia vir a ser a melhor para o caso.
Na segunda parte do texto são apresentadas as dez formas de uso do direito estrangeiro, as quais são divididas em três grupos: uso não-problemático; uso relativamente problemático e uso problemático.
o Uso não-problemático do direito estrangeiro
Citando a língua: o juiz cita porque ele simplesmente gosta do jeito particular frase usada e, por isto, não ofende nenhum valor significante;
Ilustrando contrastes: algumas vezes os juízes usam o direito ou prática estrangeira para ilustrar o contraste entre as práticas ou o direito doméstico, com o fim de reafirmar os valores constitucionais domésticos;
Reforço lógico: na decisão são usadas fontes domésticas, ficando as estrangeiras como mero reforço de que a posição adotada não é irrazoável. A citação de decisões estrangeiras importa num sinal de respeito para a comunidade internacional e possibilita formar um consenso sobre um problema particular;
Proposições factuais: cita-se o direito estrangeiro para firmar proposições de fato sobre história, práticas, estruturas ou outros fatores. É usada, assim, para firmar um fato (legal ou não-legal) de outro país, não ofendendo, por isto, os valores internos.
o Uso relativamente problemático do direito estrangeiro
Consequências empíricas: usa-se o direito estrangeiro para determinar as consequências jurídicas de certa regra, se adotada. Pode ser problemática sob o ponto de vista da exatidão, já que não se pode determinar, em certos casos, todas as consequências ou tê-las apenas como possíveis;
Aplicação direta: quando o próprio texto constitucional sugere a aplicação direta do direito estrangeiro ou internacional. Atualmente, o uso do direito estrangeiro através da aplicação direta depende de uma teoria da interpretação constitucional. Juiz Scalia diz que o sentido do texto constitucional deve ser determinado pelo significado ordinário das palavras ao tempo da ratificação. Dworkin, por sua vez, vê nas palavras princípios morais em formação que requerem uma conexão com questões morais mais profundas para o sucesso da interpretação. Ademais, o texto ainda aborda que as idéias internacionais podem ser usadas na interpretação constitucional quando duas constituições são relacionadas geneticamente (quando uma constituição influencia na formação da outra ou quando duas constituições são influenciadas por uma terceira) ou genealogicamente (quando uma constituição determina expressamente a aplicação de outra). Nestes casos, qualquer que seja a linha interpretativa, o direito estrangeiro pode ser utilizável;
Raciocínio persuasivo: como as diferentes nações teriam problemas similares e, portanto, a análise de certos julgamentos poderia ser de ajuda em outros lugares. Esta forma envolve a consideração judicial da argumentação e da lógica de uma decisão estrangeira e o uso dessa argumentação na decisão doméstica, sem, contudo, possuir uma força vinculante. A Corte utiliza a decisão estrangeira como se fosse um artigo acadêmico, possibilitando ao decisor interpretações que tenham sido até então teoricamente incompletas ou ignoradas, mas levando-se em consideração o contexto.
o Uso problemático do direito estrangeiro
Empréstimo autoritário: adota-se o direito estrangeiro como um precedente. Duas são as razões apresentadas: a razão substantiva, fundada no valor inerente à uma prática, usado como raciocínio persuasivo; e a razão de conteúdo independente, a qual deriva unicamente do fato de outra regra declarada ou afirmada, sendo próprio do empréstimo autoritário. Ofenderá os valores domésticos se aplicado o direito estrangeiro sem se considerar os valores domésticos. Além disto, é metodologicamente problemático, porque requer conhecimento considerável do direito estrangeiro, assim como sua cultura, história e tradição;
Agregação: justifica-se sob teorias que dão força normativa e legitimidade para uma posição particular dominante. Para possuir força normativa, a agregação deverá ser o local de futuros debates sobre o direito estrangeiro. Para Waldron estaria relacionado com o “direito das gentes”, um conhecimento normativo no direito positivo de vários países. Geralmente é defendida sob o argumento de que “muitos pensam melhor do que um”. O problema de seguir uma decisão anterior é que isto pode virar um problema em cascata, seja sobrepesando a decisão anterior, seja para manter certa reputação desta. Mas contra isto, as Cortes devem se esforçar numa meta-análise do direito estrangeiro dentro de cada país em que a prática está sendo agregada. Há também que se distinguir o número de Cortes estrangeiras que tem adotado a regra em questão e o número total de Cortes consideradas, se alta a razão entre estas, pode-se considerar a regra como generalizada, se não, estará ela adstrita a alguns países.
Outro problema é que os países podem ser seletivos ou casuais ao escolher, mas se arrola três sugestões de escolha de decisão estrangeira, quais sejam: exprimir uma informação particular, enfrentar o mesmo problema e refletir um julgamento independente. Há ainda o problema da exatidão, multiplicado pelo número das leis que estão sendo agregadas.
Ademais, levanta sérias razões sobre democracia e valores expressivos da nação, uma vez que pode se tornar um fator determinante da decisão doméstica. Mas democracia e valores normativos só estão implicados quando à agregação de decisões estrangeiras é concedido peso normativo e quando a agregação implica num determinado resultado. Quando os resultados do direito estrangeiro e do direito doméstico são os mesmo ou quando ambos são indeterminados não há problemas para a democracia. Contudo, quando o direito doméstico é determinante e o direito estrangeiro conflita, há quem diga que o direito pátrio deve prevalecer e há quem defenda o contrário sob o argumento de que certos direito são universais. O problema maior é quando o direito doméstico é indeterminado e o direito estrangeiro é claro, com um resultado determinado, o que pode parecer minar os valores democráticos de auto-governo. De outro lado, os valores em jogo podem ser pré-democráticos ou pré-constitucionais ou podem ser direitos básicos dos homens, que as pessoas devem possuir independentemente do local.
Não-utilização: o não uso do direito estrangeiro na interpretação constitucional que se funda só em materiais internos, pode acarretar problemas quando certos direito têm base pré-constitucional, sendo que o direito estrangeiro deveria ser usado para identificá-los e para trazer sua normatividade como suporte, sem os quais podem haver resultados absurdos e incuráveis.
De tudo isto se conclui que as formas majoritárias de uso do direito estrangeiro não são problemáticas, sendo alguns usos autoritários do direito estrangeiro até necessários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário