Prof. José Adércio Leite Sampaio
Mestranda: Roberta Pereira Negrão Costa
Sumário: 1. Introdução; 2. Comparação Jurídica; 3. Natureza Jurídica do Direito Constitucional Comparado; 4. Conceituação de Direito Constitucional Comparado; 5. Funções do Direito Constitucional Comparado como ciência jurídica; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.
Palavras-Chave: Comparação Jurídica, Direito Comparado, Direito Constitucional Comparado.
1. Introdução
Este texto pretende abordar noções preliminares de Direito Constitucional Comparado, ao analisar de maneira simplificada a natureza jurídica do direito constitucional comparado e, a partir dessa definição, identificar suas funções. Para tanto, primeiramente, esclarecer-se-á a noção de comparação jurídica, entendida como direito comparado. Em seguida, será apresentada a divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do direito constitucional comparado, a fim de elucidar se trata-se um um método ou uma ciência.
2. Comparação Jurídica
Comparar significa confrontar, aproximara a fim de precisar os objetos que se compara. A comparação pode ser entendida como uma operação do espírito pela qual são aproximados em um confronto metódico os objetos a serem comparados, a fim de individualizá-los e distingui-los, e assim o fazendo permitir sua melhor compreensão para possibilitar seu agrupamento ou afastamento e classificação.[1]
O uso da comparação como forma de aprendizado e desenvolvimento abstrato do ser humano dá-se, em grande parte, por sucessivas generalizações, tipificações e classificações conforme seja os objetos iguais ou distintos.[2] A atividade comparativa é frequentemente utilizada na ciência jurídica como forma de melhor conhecer e compreender os institutos, normas ou instituições jurídicas, para, através do cotejo, extrair semelhanças ou diferenças entre os objetos comparados. Com o uso da comparação, pode-se obter generalização empírica para que seja possível analisar o seu resultado como objeto de uma investigação para postular generalizações teóricas.
À comparação jurídica dá-se o nome Direito Comparado[3]. Há grande divergência doutrinária sobre a sua natureza que implica em saber se trata-se de um método ou de uma ciência.
3. Natureza Jurídica do Direito Constitucional Comparado
A discussão acerca da natureza do direito comparado pousa nos mesmos argumentos para delimitar a natureza do direito constitucional comparado. Por isso, serão apresentados os argumentos comuns a ambas as divergências teóricas.
O debate visa responder se o direito constitucional comparado é uma disciplina científica autônoma ou um método – o método comparativo. Há quatro correntes doutrinárias sobre o tema. A primeira entende essa discussão teórica é inócua e não traz nenhuma consequência prática. Segundo essa corrente, as expressões método e ciência podem ser utilizadas indistintamente e que não há uma definição exata para os termos. Salienta Caio Mário da Silva Pereira, ao prático é despicienda essa indagação, mas ao homem de estudo a determinação da cientificidade ou não do direito constitucional comparado é relevante[4], pois implica dizer se seu conteúdo é ou não objeto de estudo pelo Direito, se está entre as finalidades desse conhecimento.
A segunda corrente entende que direito constitucional comparado é um método. Trata-se da aplicação do método comparativo, de um “conjunto de procedimentos que, baseados em certos princípios, buscam alcançar determinado resultado.”[5] A comparação jurídica seria uma técnica especial de estudo dos diversos ordenamentos constitucionais, mas não poderia ser considerada ciência, pois não é um ramo da ciência jurídica dotado de autonomia, com objeto próprio de estudo. Seria, portanto, um método de exposição e de pesquisa baseado na comparação entre fenômenos jurídicos que ocorrem em diversas sociedades. Para Rivero, o direito constitucional comparado é um método porque consiste no estudo paralelo de normas e institutos jurídicos com o intuito de esclarecê-los a partir desse confronto. Gutteridge afirma que se por direito se entende um conjunto de normas, não é possível existir um direito comparado, pois o processo de comparar normas de diferentes sistemas jurídicos não dá origem a novas normas aplicáveis com validade e vigência nos ordenamentos comparados.[6] Por isso, trata-se de um método de comparação. Verifica-se que essa noção está intimamente ligada a um determinado conceito sobre o que é Direito, identificado como um conjunto de normas constantes em um determinado ordenamento jurídico. A crítica que pode ser feita a essa corrente é que exposta como simples método, a pesquisa comparativa não apresenta os requisitos necessários a subsidiar nenhuma classificação teórica mais aprofundada, pois seria elemento comum a diversas áreas do conhecimento e desconsidera a peculiaridade de seu objeto.
A terceira corrente entende que o direito constitucional comparado é uma ciência, pois tem um objeto próprio de investigação, é dotado de um método específico, o método comparativo, goza de autonomia doutrinária e didática.[7] Para Vergottini, o direito constitucional comparado não é direito positivo, mas concerne ao confronto entre diversos ordenamentos jurídicos positivados, seus institutos e normas, pautado em operações lógicas de contraste, análise e síntese, levadas em consideração de maneira sistemática, em observância ao método comparativo, conferindo cientificidade à disciplina.[8] Este ramo do direito não pode ser confundido com os demais. Nas demais áreas do conhecimento jurídico, a comparação é um instrumento eventual para alcançar um determinado fim. Já no direito constitucional comparado, há por pressuposto o conhecimento dos ordenamentos a ser comparados, tendo como principal finalidade a própria comparação.[9] Saliente-se que para Vergottini, a finalidade da comparação é o conhecimento dela decorrente (função primária da comparação) e a utilização dos resultados obtidos para o alcance de objetivos diversos (função secundária da comparação).[10] O direito constitucional comparado contém em si uma dimensão epistemológica, que busca conhecer cientificamente a diversidade dos textos constitucionais transnacionais a partir da reflexão acerca dos pontos em comum e distintivos dos sistemas jurídicos[11].
Por fim, a quarta corrente, que postula a natureza híbrida do direito constitucional comparado. Segundo essa corrente, o direito comparado é a um só tempo método e ciência. Agrupando, ordenando e classificando os conhecimentos obtidos através do uso do método comparativo em um todo coerente é que se funda sua cientificidade. É uma ciência na medida em que, pelo emprego do método comparativo, torna conhecidas verdadeiras relações das ordens jurídicas.[12] Segundo essa corrente, o método comparativo realiza a microcomparação, que consiste na aproximação comparativa de ordenamentos jurídicos diferentes, por onde se atingem resultados parciais, fragmentários e desordenados, cujo objeto é obter e acumular observações parciais. Já a ciência do direito comparado realiza a macrocomparação, ao confrontar e penetrar nas ordens jurídicas para selecionar, ordenar e classificar os resultados parciais obtidos pelo método comparativo, o que permite consolidar novos conhecimentos. A crítica que não é capaz de separar claramente o conceito de ciência e método e que tanto a microcomparação, entendida como a análise de institutos singulares a comparar[13], como a macrocomparação, entendida como o confronto de ordenamentos ou sistemas considerados como um todo[14], são parte do direito constitucional comparado.
4. Conceituação de Direito Constitucional Comparado
Tendo em vista considerar o direito constitucional comparado como uma ciência autônoma, um ramo distinto do conhecimento jurídico, entende-se o direito constitucional comparado como uma comparação, um confrontamento das instituições políticas e jurídicas distintas para, através do cotejo, extrair semelhanças e diferenças entre os objetos comparados. Mas essa evidência extraída não é per si um conclusão científica, sendo ainda necessário estabelecer uma relação em função da comparação realizada (para que se compara, o que se compara e como se compara) para a verificação quanto à possibilidade de generalização do objeto cuja existência possa ser assegurada pela observação de várias semelhanças nos sistemas comparados. Assim, permite-se a formulação de relações ou estruturas gerais e conclusões para o Direito Constitucional Geral e para o aprimoramento do Direito Constitucional interno.[15]
5. Funções do Direito Constitucional Comparado como ciência jurídica
Com suporte no direito constitucional comparado como ciência jurídica, é possível identificar suas funções, com a determinação de sua utilidade e finalidade à experiência prática.
Vergottini aponta como função primária do direito constitucional comparado a produção de conhecimento através da comparação jurídica de ordenamentos, institutos e normas diferentes. Como função secundária, o autor indica a utilização dos resultados obtidos para o alcance de diversos objetivos, tais como demarcar diferentes realidades constitucionais, uma análise em âmbito internacional, a possibilidade de conhecer dados de outros ordenamentos e utilizá-los como um elemento de controle, elaboração de textos normativos a fim de aprimorar institutos já existentes no ordenamento em comparação com outros ou inseri-los.[16] Indica, ainda, como função importante do direito constitucional comparado o auxílio à harmonização e unificação normativa, tanto no processo de formação de novos Estados, como na colaboração política entre Estados, sendo esta uma maneira de integrar ordenamentos jurídicos distintos.
Para Mendonça, as principais funções do direito constitucional comparado são a de possibilitar um melhor conhecimento e, consequentemente, aplicação do próprio ordenamento jurídico pelos operadores a ele vinculados e, por outro lado, contribuir para o desenvolvimento legislativo do Estado, através de possíveis mudanças normativas, o que permitiria uma uniformização legislativa globalizante[17], de grande relevância para determinados assuntos, tais quais proteção a direitos fundamentais, observadas questões culturais locais, bem como lavagem de dinheiro, tráfico internacional de dragas e armas, entre outros assuntos de interesse transnacional.
Para Souto, através da comparação de vários ordenamentos, o direito constitucional comparado exerce função reformadora da ordem jurídica, função educativa, própria de toda a ciência, função criadora, no momento em que surge um novo material como resultado da comparação passível de positivação social e normativa, e, por fim, função intepretativa e integradora da ordem jurídica de um país observados os parâmetros existentes em outro país.[18]
Dantas, resumidamente, elenca como funções a contribuição para a difusão do conhecimento jurídico na comunidade e sua interiorização pelos indivíduos, o aperfeiçoamento da aplicação das normas jurídico-positivas em determinado Estado e, por fim, o subsidio à mudança do ordenamento jurídico.[19] Coutinho menciona como funções a didática, que possibilita o conhecimento de outros sistemas e permite a melhor compreensão do próprio ordenamento, a função de aprofundamento do direito e uma função pacificadora, coordenadora e integrativa[20] no sentido de fornecer elementos que permitem uma análise quanto a integração de ordenamentos, o que leva a uma coordenação de sistemas jurídicos e pacificação da sociedade internacional.
6. Conclusão
Apresentada de maneira simplificada e resumida algumas noções preliminares do Direito Constitucional Comparado, foi possível concluir:
a) A idéia de comparação jurídica é fundamental ao Direito Constitucional Comparado, pois permite sucessivas generalizações, tipificações e classificações conforme seja os objetos iguais ou distintos a ser realizada por esse ramo de conhecimento jurídico, com o uso do método comparativo;
b) A discussão sobre a natureza jurídica do Direito Constitucional Comparado é relevante à produção de conhecimento científico ao Direito;
c) O Direito Constitucional Comparado é uma ciência, pois goza de autonomia doutrinária e didática, tem um objeto próprio de investigação, é dotado de um método específico, o método comparativo, pautado em operações lógicas de contraste, análise e síntese, levadas em consideração de maneira sistemática. Contém em si uma dimensão epistemológica, que busca conhecer cientificamente a diversidade dos textos constitucionais transnacionais a partir da reflexão acerca dos pontos em comum e distintivos dos sistemas jurídicos;
d) Nas demais áreas do conhecimento jurídico, a comparação é um instrumento eventual para alcançar um determinado fim. Já no direito constitucional comparado, há por pressuposto o conhecimento dos ordenamentos a ser comparados, tendo como principal finalidade a própria comparação.
e) Suas principais funções são a produção de conhecimento através da comparação, aperfeiçoamento da aplicação das normas jurídico-positivas em determinado Estado, auxílio à harmonização e unificação normativa, promoção de integração de ordenamentos.
7. Bibliografia
COUTINHO, Ana Luísa Celino. Direito comparado e globalização. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, julho/dezembro, 2003.
DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 134, n. 134, abril/junho, 1977.
DANTAS, Ivo. O direito comparado – formação histórica, métodos e técnicas de pesquisa. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, Recife, v. 8, n. 8, 1997.
GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado – introducion al médoto comparativo em la investigación y em el estúdio del derecho. Barcelona: Artes Gráficas Rafael Salvá, 1954.
MARTÍNEZ PAZ. Enrique. Introducion al derecho civil comparado. Buenos Aires: Abelado-Perrot, 1960.
MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001.
PEREIRA. Caio Mário da Silva.. Direito comparado, ciência autônoma. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 4, outubro, 1952.
SALES, Gabrielle Bezerra. LOPES, Gilvan Linhares. Transversalidade dos direitos fundamentais: uma perspectiva epistemológica do direito constitucional comparado. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília, nos dias 20 a 22 de novembro de 2008.
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
SOUTO. Cláudio. SOUTO, Solante. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 2ª eidção. Porto Alegre: Safe, 1997.
TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004.
[1] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[2] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, p. 185.
[3] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[4] PEREIRA. Caio Mário da Silva.. Direito comparado, ciência autônoma. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 4, outubro, 1952, pp. 46.
[5] MARTÍNEZ PAZ. Enrique. Introducion al derecho civil comparado. Buenos Aires: Abelado-Perrot, 1960, p. 132.
[6] GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado – introducion al médoto comparativo em la investigación y em el estúdio del derecho. Barcelona: Artes Gráficas Rafael Salvá, 1954, p. 14.
[7] Neste sentido, DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 134, n. 134, abril/junho, 1977, pp. 231 a 249.
[8] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, p. 2.
[9] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, pp. 189 e 190.
[10] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, p. 4.
[11] SALES, Gabrielle Bezerra. LOPES, Gilvan Linhares. Transversalidade dos direitos fundamentais: uma perspectiva epistemológica do direito constitucional comparado. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília, nos dias 20 a 22 de novembro de 2008.
[12] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[13] TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
[14] TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
[15] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[16] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, pp. 4 a 20.
[17] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, p. 192.
[18] SOUTO. Cláudio. SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 2ª eidção. Porto Alegre: Safe, 1997, pp. 138 e 139.
[19] DANTAS, Ivo. O direito comparado – formação histórica, métodos e técnicas de pesquisa. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, Recife, v. 8, n. 8, 1997.
[20] COUTINHO, Ana Luísa Celino. Direito comparado e globalização. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, julho/dezembro, 2003, pp. 32 e 33.
Sumário: 1. Introdução; 2. Comparação Jurídica; 3. Natureza Jurídica do Direito Constitucional Comparado; 4. Conceituação de Direito Constitucional Comparado; 5. Funções do Direito Constitucional Comparado como ciência jurídica; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.
Palavras-Chave: Comparação Jurídica, Direito Comparado, Direito Constitucional Comparado.
1. Introdução
Este texto pretende abordar noções preliminares de Direito Constitucional Comparado, ao analisar de maneira simplificada a natureza jurídica do direito constitucional comparado e, a partir dessa definição, identificar suas funções. Para tanto, primeiramente, esclarecer-se-á a noção de comparação jurídica, entendida como direito comparado. Em seguida, será apresentada a divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do direito constitucional comparado, a fim de elucidar se trata-se um um método ou uma ciência.
2. Comparação Jurídica
Comparar significa confrontar, aproximara a fim de precisar os objetos que se compara. A comparação pode ser entendida como uma operação do espírito pela qual são aproximados em um confronto metódico os objetos a serem comparados, a fim de individualizá-los e distingui-los, e assim o fazendo permitir sua melhor compreensão para possibilitar seu agrupamento ou afastamento e classificação.[1]
O uso da comparação como forma de aprendizado e desenvolvimento abstrato do ser humano dá-se, em grande parte, por sucessivas generalizações, tipificações e classificações conforme seja os objetos iguais ou distintos.[2] A atividade comparativa é frequentemente utilizada na ciência jurídica como forma de melhor conhecer e compreender os institutos, normas ou instituições jurídicas, para, através do cotejo, extrair semelhanças ou diferenças entre os objetos comparados. Com o uso da comparação, pode-se obter generalização empírica para que seja possível analisar o seu resultado como objeto de uma investigação para postular generalizações teóricas.
À comparação jurídica dá-se o nome Direito Comparado[3]. Há grande divergência doutrinária sobre a sua natureza que implica em saber se trata-se de um método ou de uma ciência.
3. Natureza Jurídica do Direito Constitucional Comparado
A discussão acerca da natureza do direito comparado pousa nos mesmos argumentos para delimitar a natureza do direito constitucional comparado. Por isso, serão apresentados os argumentos comuns a ambas as divergências teóricas.
O debate visa responder se o direito constitucional comparado é uma disciplina científica autônoma ou um método – o método comparativo. Há quatro correntes doutrinárias sobre o tema. A primeira entende essa discussão teórica é inócua e não traz nenhuma consequência prática. Segundo essa corrente, as expressões método e ciência podem ser utilizadas indistintamente e que não há uma definição exata para os termos. Salienta Caio Mário da Silva Pereira, ao prático é despicienda essa indagação, mas ao homem de estudo a determinação da cientificidade ou não do direito constitucional comparado é relevante[4], pois implica dizer se seu conteúdo é ou não objeto de estudo pelo Direito, se está entre as finalidades desse conhecimento.
A segunda corrente entende que direito constitucional comparado é um método. Trata-se da aplicação do método comparativo, de um “conjunto de procedimentos que, baseados em certos princípios, buscam alcançar determinado resultado.”[5] A comparação jurídica seria uma técnica especial de estudo dos diversos ordenamentos constitucionais, mas não poderia ser considerada ciência, pois não é um ramo da ciência jurídica dotado de autonomia, com objeto próprio de estudo. Seria, portanto, um método de exposição e de pesquisa baseado na comparação entre fenômenos jurídicos que ocorrem em diversas sociedades. Para Rivero, o direito constitucional comparado é um método porque consiste no estudo paralelo de normas e institutos jurídicos com o intuito de esclarecê-los a partir desse confronto. Gutteridge afirma que se por direito se entende um conjunto de normas, não é possível existir um direito comparado, pois o processo de comparar normas de diferentes sistemas jurídicos não dá origem a novas normas aplicáveis com validade e vigência nos ordenamentos comparados.[6] Por isso, trata-se de um método de comparação. Verifica-se que essa noção está intimamente ligada a um determinado conceito sobre o que é Direito, identificado como um conjunto de normas constantes em um determinado ordenamento jurídico. A crítica que pode ser feita a essa corrente é que exposta como simples método, a pesquisa comparativa não apresenta os requisitos necessários a subsidiar nenhuma classificação teórica mais aprofundada, pois seria elemento comum a diversas áreas do conhecimento e desconsidera a peculiaridade de seu objeto.
A terceira corrente entende que o direito constitucional comparado é uma ciência, pois tem um objeto próprio de investigação, é dotado de um método específico, o método comparativo, goza de autonomia doutrinária e didática.[7] Para Vergottini, o direito constitucional comparado não é direito positivo, mas concerne ao confronto entre diversos ordenamentos jurídicos positivados, seus institutos e normas, pautado em operações lógicas de contraste, análise e síntese, levadas em consideração de maneira sistemática, em observância ao método comparativo, conferindo cientificidade à disciplina.[8] Este ramo do direito não pode ser confundido com os demais. Nas demais áreas do conhecimento jurídico, a comparação é um instrumento eventual para alcançar um determinado fim. Já no direito constitucional comparado, há por pressuposto o conhecimento dos ordenamentos a ser comparados, tendo como principal finalidade a própria comparação.[9] Saliente-se que para Vergottini, a finalidade da comparação é o conhecimento dela decorrente (função primária da comparação) e a utilização dos resultados obtidos para o alcance de objetivos diversos (função secundária da comparação).[10] O direito constitucional comparado contém em si uma dimensão epistemológica, que busca conhecer cientificamente a diversidade dos textos constitucionais transnacionais a partir da reflexão acerca dos pontos em comum e distintivos dos sistemas jurídicos[11].
Por fim, a quarta corrente, que postula a natureza híbrida do direito constitucional comparado. Segundo essa corrente, o direito comparado é a um só tempo método e ciência. Agrupando, ordenando e classificando os conhecimentos obtidos através do uso do método comparativo em um todo coerente é que se funda sua cientificidade. É uma ciência na medida em que, pelo emprego do método comparativo, torna conhecidas verdadeiras relações das ordens jurídicas.[12] Segundo essa corrente, o método comparativo realiza a microcomparação, que consiste na aproximação comparativa de ordenamentos jurídicos diferentes, por onde se atingem resultados parciais, fragmentários e desordenados, cujo objeto é obter e acumular observações parciais. Já a ciência do direito comparado realiza a macrocomparação, ao confrontar e penetrar nas ordens jurídicas para selecionar, ordenar e classificar os resultados parciais obtidos pelo método comparativo, o que permite consolidar novos conhecimentos. A crítica que não é capaz de separar claramente o conceito de ciência e método e que tanto a microcomparação, entendida como a análise de institutos singulares a comparar[13], como a macrocomparação, entendida como o confronto de ordenamentos ou sistemas considerados como um todo[14], são parte do direito constitucional comparado.
4. Conceituação de Direito Constitucional Comparado
Tendo em vista considerar o direito constitucional comparado como uma ciência autônoma, um ramo distinto do conhecimento jurídico, entende-se o direito constitucional comparado como uma comparação, um confrontamento das instituições políticas e jurídicas distintas para, através do cotejo, extrair semelhanças e diferenças entre os objetos comparados. Mas essa evidência extraída não é per si um conclusão científica, sendo ainda necessário estabelecer uma relação em função da comparação realizada (para que se compara, o que se compara e como se compara) para a verificação quanto à possibilidade de generalização do objeto cuja existência possa ser assegurada pela observação de várias semelhanças nos sistemas comparados. Assim, permite-se a formulação de relações ou estruturas gerais e conclusões para o Direito Constitucional Geral e para o aprimoramento do Direito Constitucional interno.[15]
5. Funções do Direito Constitucional Comparado como ciência jurídica
Com suporte no direito constitucional comparado como ciência jurídica, é possível identificar suas funções, com a determinação de sua utilidade e finalidade à experiência prática.
Vergottini aponta como função primária do direito constitucional comparado a produção de conhecimento através da comparação jurídica de ordenamentos, institutos e normas diferentes. Como função secundária, o autor indica a utilização dos resultados obtidos para o alcance de diversos objetivos, tais como demarcar diferentes realidades constitucionais, uma análise em âmbito internacional, a possibilidade de conhecer dados de outros ordenamentos e utilizá-los como um elemento de controle, elaboração de textos normativos a fim de aprimorar institutos já existentes no ordenamento em comparação com outros ou inseri-los.[16] Indica, ainda, como função importante do direito constitucional comparado o auxílio à harmonização e unificação normativa, tanto no processo de formação de novos Estados, como na colaboração política entre Estados, sendo esta uma maneira de integrar ordenamentos jurídicos distintos.
Para Mendonça, as principais funções do direito constitucional comparado são a de possibilitar um melhor conhecimento e, consequentemente, aplicação do próprio ordenamento jurídico pelos operadores a ele vinculados e, por outro lado, contribuir para o desenvolvimento legislativo do Estado, através de possíveis mudanças normativas, o que permitiria uma uniformização legislativa globalizante[17], de grande relevância para determinados assuntos, tais quais proteção a direitos fundamentais, observadas questões culturais locais, bem como lavagem de dinheiro, tráfico internacional de dragas e armas, entre outros assuntos de interesse transnacional.
Para Souto, através da comparação de vários ordenamentos, o direito constitucional comparado exerce função reformadora da ordem jurídica, função educativa, própria de toda a ciência, função criadora, no momento em que surge um novo material como resultado da comparação passível de positivação social e normativa, e, por fim, função intepretativa e integradora da ordem jurídica de um país observados os parâmetros existentes em outro país.[18]
Dantas, resumidamente, elenca como funções a contribuição para a difusão do conhecimento jurídico na comunidade e sua interiorização pelos indivíduos, o aperfeiçoamento da aplicação das normas jurídico-positivas em determinado Estado e, por fim, o subsidio à mudança do ordenamento jurídico.[19] Coutinho menciona como funções a didática, que possibilita o conhecimento de outros sistemas e permite a melhor compreensão do próprio ordenamento, a função de aprofundamento do direito e uma função pacificadora, coordenadora e integrativa[20] no sentido de fornecer elementos que permitem uma análise quanto a integração de ordenamentos, o que leva a uma coordenação de sistemas jurídicos e pacificação da sociedade internacional.
6. Conclusão
Apresentada de maneira simplificada e resumida algumas noções preliminares do Direito Constitucional Comparado, foi possível concluir:
a) A idéia de comparação jurídica é fundamental ao Direito Constitucional Comparado, pois permite sucessivas generalizações, tipificações e classificações conforme seja os objetos iguais ou distintos a ser realizada por esse ramo de conhecimento jurídico, com o uso do método comparativo;
b) A discussão sobre a natureza jurídica do Direito Constitucional Comparado é relevante à produção de conhecimento científico ao Direito;
c) O Direito Constitucional Comparado é uma ciência, pois goza de autonomia doutrinária e didática, tem um objeto próprio de investigação, é dotado de um método específico, o método comparativo, pautado em operações lógicas de contraste, análise e síntese, levadas em consideração de maneira sistemática. Contém em si uma dimensão epistemológica, que busca conhecer cientificamente a diversidade dos textos constitucionais transnacionais a partir da reflexão acerca dos pontos em comum e distintivos dos sistemas jurídicos;
d) Nas demais áreas do conhecimento jurídico, a comparação é um instrumento eventual para alcançar um determinado fim. Já no direito constitucional comparado, há por pressuposto o conhecimento dos ordenamentos a ser comparados, tendo como principal finalidade a própria comparação.
e) Suas principais funções são a produção de conhecimento através da comparação, aperfeiçoamento da aplicação das normas jurídico-positivas em determinado Estado, auxílio à harmonização e unificação normativa, promoção de integração de ordenamentos.
7. Bibliografia
COUTINHO, Ana Luísa Celino. Direito comparado e globalização. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, julho/dezembro, 2003.
DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 134, n. 134, abril/junho, 1977.
DANTAS, Ivo. O direito comparado – formação histórica, métodos e técnicas de pesquisa. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, Recife, v. 8, n. 8, 1997.
GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado – introducion al médoto comparativo em la investigación y em el estúdio del derecho. Barcelona: Artes Gráficas Rafael Salvá, 1954.
MARTÍNEZ PAZ. Enrique. Introducion al derecho civil comparado. Buenos Aires: Abelado-Perrot, 1960.
MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001.
PEREIRA. Caio Mário da Silva.. Direito comparado, ciência autônoma. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 4, outubro, 1952.
SALES, Gabrielle Bezerra. LOPES, Gilvan Linhares. Transversalidade dos direitos fundamentais: uma perspectiva epistemológica do direito constitucional comparado. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília, nos dias 20 a 22 de novembro de 2008.
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
SOUTO. Cláudio. SOUTO, Solante. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 2ª eidção. Porto Alegre: Safe, 1997.
TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004.
[1] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[2] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, p. 185.
[3] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[4] PEREIRA. Caio Mário da Silva.. Direito comparado, ciência autônoma. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 4, outubro, 1952, pp. 46.
[5] MARTÍNEZ PAZ. Enrique. Introducion al derecho civil comparado. Buenos Aires: Abelado-Perrot, 1960, p. 132.
[6] GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado – introducion al médoto comparativo em la investigación y em el estúdio del derecho. Barcelona: Artes Gráficas Rafael Salvá, 1954, p. 14.
[7] Neste sentido, DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 134, n. 134, abril/junho, 1977, pp. 231 a 249.
[8] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, p. 2.
[9] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, pp. 189 e 190.
[10] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, p. 4.
[11] SALES, Gabrielle Bezerra. LOPES, Gilvan Linhares. Transversalidade dos direitos fundamentais: uma perspectiva epistemológica do direito constitucional comparado. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília, nos dias 20 a 22 de novembro de 2008.
[12] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[13] TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
[14] TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
[15] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[16] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, pp. 4 a 20.
[17] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, p. 192.
[18] SOUTO. Cláudio. SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 2ª eidção. Porto Alegre: Safe, 1997, pp. 138 e 139.
[19] DANTAS, Ivo. O direito comparado – formação histórica, métodos e técnicas de pesquisa. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, Recife, v. 8, n. 8, 1997.
[20] COUTINHO, Ana Luísa Celino. Direito comparado e globalização. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, julho/dezembro, 2003, pp. 32 e 33.
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