quarta-feira, 29 de setembro de 2010

STF: Colisão de direitos fundamentais entre liberdade de profissão e expressão e controle estatal

Analisar os votos dos Min. Gilmar Mendes e Marco Aurélio no RE 511961/SP.

EMENTA: JORNALISMO. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR, REGISTRADO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. LIBERDADES DE PROFISSÃO, DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE 1988 (ART. 5º, IX E XIII, E ART. 220, CAPUT E § 1º). NÃO RECEPÇÃO DO ART. 4º, INCISO V, DO DECRETO-LEI N° 972, DE 1969. 1. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. ART. 102, III, "A", DA CONSTITUIÇÃO. REQUISITOS PROCESSUAIS INTRÍNSECOS E EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE. Os recursos extraordinários foram tempestivamente interpostos e a matéria constitucional que deles é objeto foi amplamente debatida nas instâncias inferiores. Recebidos nesta Corte antes do marco temporal de 3 de maio de 2007 (AI-QO nº 664.567/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), os recursos extraordinários não se submetem ao regime da repercussão geral. 2. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. O Supremo Tribunal Federal possui sólida jurisprudência sobre o cabimento da ação civil pública para proteção de interesses difusos e coletivos e a respectiva legitimação do Ministério Público para utilizá-la, nos termos dos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal. No caso, a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público com o objetivo de proteger não apenas os interesses individuais homogêneos dos profissionais do jornalismo que atuam sem diploma, mas também os direitos fundamentais de toda a sociedade (interesses difusos) à plena liberdade de expressão e de informação. 3. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A não-recepção do Decreto-Lei n° 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade. Precedentes do STF. 4. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL (ART. 5º, INCISO XIII, DA CONSTITUIÇÃO). IDENTIFICAÇÃO DAS RESTRIÇÕES E CONFORMAÇÕES LEGAIS CONSTITUCIONALMENTE PERMITIDAS. RESERVA LEGAL QUALIFICADA. PROPORCIONALIDADE. A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das "condições de capacidade" como condicionantes para o exercício profissional. No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. A reserva legal estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial. 5. JORNALISMO E LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. INTEPRETAÇÃO DO ART. 5º, INCISO XIII, EM CONJUNTO COM OS PRECEITOS DO ART. 5º, INCISOS IV, IX, XIV, E DO ART. 220 DA CONSTITUIÇÃO. O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, inciso XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. 6. DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR COMO EXIGÊNCIA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. RESTRIÇÃO INCONSTITUCIONAL ÀS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. As liberdades de expressão e de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral. Precedente do STF: ADPF n° 130, Rel. Min. Carlos Britto. A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger, efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas. Fora desse quadro, há patente inconstitucionalidade da lei. A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo - o qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação - não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1º, da Constituição. 7. PROFISSÃO DE JORNALISTA. ACESSO E EXERCÍCIO. CONTROLE ESTATAL VEDADO PELA ORDEM CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL QUANTO À CRIAÇÃO DE ORDENS OU CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e o art. 220, não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. 8. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão em sentido amplo (caso "La colegiación obligatoria de periodistas" - Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985). Também a Organização dos Estados Americanos - OEA, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entende que a exigência de diploma universitário em jornalismo, como condição obrigatória para o exercício dessa profissão, viola o direito à liberdade de expressão (Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 25 de fevereiro de 2009). RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS CONHECIDOS E PROVIDOS.

STF: controle judicial de políticas públicas

Examinar especialmente os votos dos Min. Celso de Mello e Gilmar Mendes no STA 175.

EMENTA: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070)

STF: Colisão de direitos fundamentais entre liberdade de expressão e intimidade

Analisar, especialmente, votos dos Min. Carlos Britto, Celso de Mello e Gilmar Mendes na ADPF 130/DF.

ADPF 130/DF: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. A ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões conflitantes. Atendimento das condições da ação. 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da Comunicação Social" (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional "observado o disposto nesta Constituição" (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da "plena liberdade de informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a "livre" e "plena" manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. 5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido. Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de imprensa, porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. 6. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado "poder social da imprensa". 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos" ( Deputado Federal Miro Teixeira). 8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era "livre" (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de "plena" (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado "núcleo duro" da atividade). Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, "a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público". 9. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5º do art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de "interpretação conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. 11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de aplicabilidade imediata", conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação", na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.


STF: Colisão de direitos fundamentais entre identidade e intimidade

Dignidade humana, Intimidade, intangibilidade do corpo humano: A comparação entre os argumentos constantes dos votos no HC 71373/RS (maioria v. Rezek, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence) e Rcl-QO 2040/DF (Maioria v. Marco Aurélio):

Pleno. HC 71373: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.


Pleno. Rcl-QO 2040: EMENTA: - Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa", "persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido conhecido como rec lamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Prisão cautelar: as discussões recentes na Alemanha

Um bom artigo que apresenta uma visão histórica e comparada sobre a prisão preventiva, tendo como ênfases as mudanças recentes no Código Penal alemão, que provocaram a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (CEDH) em 17 de Dezembro de 2009. Discute-se como o direito penal em diversos países tenta conciliar o princípio da culpa do autor com a pressão social por maior segurança pública.


Leia na íntegra: Incompatible Contrasts? – Preventive Detention in Germany and the European Convention on Human Rights de Grischa Merkel

Federalismo e tratamento isonômico entre unidades federativas

Muito curiosa a decisão tomada pelo STF na ADI 2452/SP, ajuizada pelo Estado de Minas, contra lei paulista que vedava a aquisição pelos demais Estados-membros de ações das concessionárias de eletricidade daquele Estado. Alegava-se, além de atentado ao artigo 37, XXI, discriminação com as empresas estaduais. Disse o Tribunal: "Razões econômicas e políticas legitimam a restrição contida no preceito impugnado. A limitação mencionada afasta possível tensão nas relações entre as unidades federativas envolvidas". Tensão como os recursos de serviços de um Estado migrarem para outro ou mesmo definição de políticas econômicas de um ficar na mão de outro.

Ato que nega repercussão geral: Irrecorribilidade

É incabível a interposição de recurso ou mesmo de mandado de segurança contra ato judicial de Ministro do Supremo que aplica a sistemática da repercussão geral. Não há no ato conteúdo decisório (MS-AgR 28991/PE, 28993/PE, 28994/PE e 28996/PE).

Mudança de parâmetro constitucional e ação direta de inconstitucionalidade: Mudança de orientação do STF

O STF tem jurisprudência consolidada no sentido de o sistema brasileiro não contemplar a figura da constitucionalidade superveniente, tampouco admitir a convalidação norma inconstitucional. Essa orientação conduz a afirmar que, mesmo em face de uma emenda à Constituição que torne constitucional ato normativo inconstitucional sob o parâmetro constitucional antigo, o vício original não era sanado.

Havia dificuldade em afastar esse tipo de inconstitucionalidade, no âmbito do controle abstrato, em virtude do entendimento do Tribunal no sentido de que a mudança do parâmetro levaria à perda do objeto da ação direta de inconstitucionalidade. Na ADI n 2158/PR. essa jurisprudência foi parcialmente revista. Definiu-se que, em situações assim, ainda que houvesse ação direta em curso, caberia ao STF declarar a inconstitucionalidade da norma, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, para conferir máxima efetividade da jurisdição constitucional.

É constitucional a modulação de efeitos no controle de constitucionalidade

Embora ainda esteja pendende de decisão, nas ADIs 2154/DF e 2258/DF, a constitucionalidade do artigo 27 da Lei 9868/1999, o STF, além de já o ter aplicado a diversas situações (p.ex. ADIs n. 2501/MG, 2994/BA-ED, 3615/PB, 3660/MS, 3756-ED, 3819/MG), voltou recentemente a reconhecer a sua constitucionalidade por ocasião do julgamento da ADI 3462/DF. O argumento trazido pela relatora, Min. Cármen Lúcia, justificava a sua adoção na preponderância do princípio da segurança jurídica, sem desconsiderar a legalidade, ambos expressão do Estado de Direito.

Em outra oportunidade, o Min. Gilmar Mendes dissera: "evidente que a norma contida no art. 27 da Lei n.° 9.868/99 tem caráter fundamentalmente interpretativo, desde que se entenda que os conceitos jurídicos indeterminados utilizados – segurança jurídica e excepcional interesse social – revestem-se de base constitucional. (...) o princípio da nulidade continua a ser a regra também no direito brasileiro. O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou outro princípio constitucional manifestado sob a forma de interesse social relevante. Assim, aqui, como no direito português, a não aplicação do princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política judiciária, mas em fundamento constitucional próprio. Entre nós, cuidou o legislador de conceber um modelo restritivo também no aspecto procedimental, consagrando a necessidade de um quorum especial (dois terços dos votos) para a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados. Terá significado especial o princípio da proporcionalidade, especialmente em sentido estrito, como instrumento de aferição da justeza da declaração de inconstitucionalidade (com efeito da nulidade), em virtude do confronto entre os interesses afetados pela lei inconstitucional e aqueles que seriam eventualmente sacrificados em consequência da declaração de inconstitucionalidade" (ADI 875/DF)

No controle difuso, embora já se tenha afirmado que a modulação se restringe à fiscalização abstrata (1a Turma, RE-AgR 395654/RJ; AI-AgR 428886/RJ; RE-AgR 430421/RJ; 2a Turma. AI-AgR 591803/SC, além de algumas decisões monocráticas a exemplo do AI 666455/RJ), mais acertadamente por não ser possível sua aplicação nos recursos perante as turmas, por faltar-lhes o quorum necessário de dois terço (2a Turma. AI-AgR-ED 417014/RJ), o STF tem reconhecido, em alguns casos, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (Pleno. RE 197917/SP; 2a Turma. RE-AgR 273074/RJ; 395902/RJ;AI-AgR 421.354/RJ).

Não cabe, entretanto, tal modulação no "juízo negativo de recepção de atos pré-constitucionais” por não se tratar, no entendimento do Tribunal, de controle de constitucionalidade, mas conflito de normas no tempo (Pleno RE 353657/PR; 2a Turma. AI-AgR 589281/RJ, RE 442683/RS).

domingo, 19 de setembro de 2010

Liberdade de consciência no Canadá

The protection accorded to religious and conscientious freedom by the newly proclaimed Charter of Rights and Freedoms elevates this issue into the spheres of constitutional law and fundamental rights. As such, legal resolution of the tension between state power and religious or conscientious duty takes a form novel to Canadian jurisprudence. At the same time, however, that tension is not unfamiliar to the Canadian judiciary; it has surfaced in other forms at various stages of Canadian legal history. The purpose of this article is thus twofold. The first is to canvass Canadian jurisprudence in order to determine the level of protection that has been and is accorded to religious freedom. Four areas of the law are focussed on: The British North America Act, the Canadian Bill of Rights, Canadian human rights legislation, and the Canadian Charter of Rights and Freedoms. With respect to the Charter, it is submitted that the first three sources of law are of assistance in determining the scope of its provisions and offer legal techniques useful to its application. Following a discussion of these four areas of law, the author addresses more theoretical problems that flow from the concept of fundamental rights or freedoms within a constitutional democracy and advances a theoretical framework to this end.

Leia na íntegra: Freedom of Conscience and Religion in Canada (Patrick Macklem)



Canada prides itself on welcoming diversity and being tolerant, multicultural, and pluralistic. In recent years, however, Canadians have had to become increasingly aware of the difficulties of balancing new claims and settled expectations against what were formerly established claims. In particular, the courts have struggled with the balancing of religious freedom and other Charter rights. This paper examines the foundations of religious liberty in Canada, education and religion, sexual orientation law, and the current role of secularism in public discourse. It argues that Canadian society needs a paradigm shift in its understanding of religion and religion’s interaction with the state to create an environment that is open, tolerant, and inclusive of religious practice. It also argues that religion is an equality right itself and should not be pitted against equality the way some commentators structure their arguments.

Liberdade religiosa nos EUA

This essay discusses the two-fold protection given to freedom of religion in the American constitutional system. The Establishment Clause protects against the "establishment" of an official church by the government and against governmental action "establishing religion," while the free exercise clause is a textual guarantee of peoples' right to practice their religion and to hold and act on religious beliefs, free from governmental interference. With respect to the Establishment Clause as a protector of religious freedom, the article emphasizes that when the courts strike down governmental action advancing religion as violative of the Establishment Clause, such as when they hold that the Establishment Clause prohibits school-sponsored prayer or bible reading in the public schools or that it prohibits the use of public funds for religious purposes, the courts are not acting with hostility toward religion, but rather are acting to protect the religious freedom of all of us, and particularly the freedom of religious minorities. The author suggests that this point is often not fully understood by religious believers, who may see such restrictions as demonstrating hostility to religion. Again it is not hostility to religion, but a structural concern for religious freedom that prohibits the government from using its power to advance or inhibit religion.

When it comes to the Free Exercise Clause, the Court has been reluctant to interpret that Clause too broadly, lest it end up with a Free Exercise-mandated exemption from the application of facially-neutral and generally applicable laws. Moreover, some of the governmental actions that might be challenged as violative of the Free Exercise Clause have instead been held to be violative of the Establishment Clause, so to some extent, Free Exercise claims have been subsumed by the Establishment Clause.

The author says that the most interesting part of the constitutional protection of religious freedom is the matter of affirmative efforts on the part of the government to protect the religious freedom of individuals and religious institutions. Part of the essay is the discussion of the affirmative protection of religious freedom, which brings into play the interaction of the Establishment Claus and the Free Exercise Clause. Here we see the interaction of the Establishment Clause with the Free Exercise Clause to advance the constitutional value of religious freedom. The operative principle in this area may be stated as follows. Governmental action that has the effect of providing a preference for religion over non-religion violates the Establishment Clause, but governmental action that is precisely tailored to protect the religious freedom of individuals and religious institutions does not violate the Establishment Clause. The crucial question in these cases, therefore, is whether the governmental action is an unconstitutional preference for religion, or a precisely tailored and so constitutionally permissible means of protecting the religious freedom of individuals and religious institutions. The permissible means of protecting religious freedom is illustrated by the Supreme Court's decision in Cutter v. Wilkinson, 544 U.S. 709 (2005), upholding a provision of federal law requiring states that receive federal funds to make a reasonable accommodation for the religious practices of prison inmates. The Court found that this law "qualifies as a permissible legislative accommodation of religion that is not barred by the Establishment Clause," because it "alleviates exceptional government-created burdens on private religious exercise" and "protects institutionalized persons who are unable freely to attend to their religious needs and are therefore dependent on the government's permission and accommodation for exercise of their religion.

The essay discusses other permissible actions designed to protect the religious freedom of individuals, which include: an exemption from the former Sunday closing laws for Sabbatarians who closed their businesses on Saturday; during Prohibition the exemption for sacramental wine used in religious services, and a modern equivalent, the exemption from the federal substance abuse laws for the use of peyote in the religious ceremonies of Native-American tribes; an exemption from the federal Eagle Protection Act to permit members of Native-American tribes to use eagle feathers in their religious services; the exemption in the federal Humane Slaughter Law for Jewish religious slaughter and now for Halal religious slaughter and for that of all religious faiths that use the severance of the carotid artery method of slaughter; an exemption from social security self-employment taxes for members of religious sects that have tenets opposed to participation in the social security system and that provide reasonable support for their dependent members; an exemption for Amish buggies from the requirement that slow-moving vehicles display a special emblem; and actions to protect the religious freedom of persons subject to governmental control, such as the Dearborn, Michigan public schools making arrangements for their Moslem students to pray at required times during school hours.


Leia na íntegra: Essay: The Protection of Religious Freedom under the American Constitution(
Robert A. Sedler)

Liberdade religiosa, Estado Laico e símbolos religiosos no espaço público


As a nation that values and guarantees religious freedom, the United States is often faced with questions regarding the public display of religious symbols. Such questions have arisen in a number of Supreme Court cases, involving both Establishment Clause and Free Exercise Clause issues. Since 1984, the Court has considered the constitutionality of the display of religious symbols such as a creche, a menorah, and a cross in public areas. The Court has also considered the constitutionality of Air Force regulations that prohibited a clinical psychologist from wearing a yarmulke. Parallel to the Supreme Court cases, a number of federal and state courts have been faced with cases involving the display of religious symbols in the courtroom. These cases also include Establishment Clause issues, relating to a court's display of symbols such as the Ten Commandments, as well as Free Exercise Clause issues, involving the rights of parties, witnesses, and attorneys to dress in religious garb in the courtroom. At the same time, these courts have often considered the potential for juror prejudice that may result from the display of religious symbols in the courtroom. Levine surveys and analyzes the decisions courts have reached in addressing these issues. Part I of the Article discusses the rights of parties to wear religious garb in the courtroom. Despite some notable exceptions, most courts have protected this right, finding that it would not unduly interfere with courtroom decorum or improperly prejudice a jury. Part II observes that, in contrast, courts have not been as willing to protect the rights of witnesses and attorneys to dress in religious garb in the courtroom. Part III discusses the display of religious symbols in courtrooms, and the different approaches courts have employed in considering this issue, in light of Establishment Clause questions as well as potential juror prejudice. This Article concludes with the hope that courts will have the wisdom to issue judgments that carefully balance the competing interests in a way that protects both the value of religious freedom and the values of fairness and equality

Leia na íntegra: Religious Symbols and Religious Garb in the Courtroom: Personal Values and Public Judgments (Samuel J. Levine)

A experiência alemã


As part of the current debate in Australia on the adoption of a bill or charter of rights, the experience of other countries is informative. The German Constitution contains a comprehensive catalogue of rights and freedoms. This includes principles protecting religious freedom, most importantly article 4, which declares ‘inviolable’ the ‘freedom of faith, of conscience, and freedom to profess a religion or a particular philosophy’. It also guarantees the ‘undisturbed practice of religion’. Should Australia opt to adopt a charter of rights in any form, it is highly likely that this instrument will contain some protection of cultural and religious freedom. While initially an Australian charter would not be constitutionally entrenched, a comparison with Germany is still helpful because it can be expected that issues encountered under a constitutional charter also arise under a legislative one. The German experience provides examples of the type of social controversies which the courts are called on to decide in relation to the protection of religious freedom.

Issues encountered in Germany seem to belong to two broad categories: first, which kind of behaviour falls within the ambit of freedom of religion and, secondly, to what degree can religious freedom be limited. In relation to the first category, it appears uncontroversial that practices such as praying, conducting Sunday service or ringing of church bells constitute religious behaviour. But what about announcing a charitable drive to collect second hand goods from the pulpit; selling food or drink at religious meetings or refusing to bury an urn in a cemetery? In relation to the second category, even if a type of behaviour is found to be within the definition of freedom of belief, there must be limitations to this freedom. But where should the line be drawn? In the last few decades, the German Constitutional Court was called upon to rule on controversies where one party’s freedom to exercise his or her religion infringed another party’s freedom not to be exposed to religion or religious practices. Many of these occurred within the educational system. Famous examples are the School Prayer Case, where a student’s parents objected to their child’s exposure to school prayer outside of religious education; the Classroom Crucifix Case, where non-Christian parents objected to their child being exposed to crucifixes in classrooms of a public, non-religious school; and the Teacher Headscarf Case where the Court was asked to decide whether an Islamic teacher is entitled to wear a headscarf while teaching in a public school, thus exposing students to a manifestation of her faith. All of these cases saw the Constitutional Court become involved in morally highly controversial disputes, which received a lot of attention from the public and where public opinion was clearly divided. This paper will explain the course which the Court took in resolving these disputes. It will argue that a clause protecting freedom of belief in a charter of rights inevitably involves the courts in disputes which are morally difficult, highly controversial and the subject of much public debate. However, in my view, this is a small price to pay for providing protection of the public’s religious beliefs in a charter of rights.


Liberdade religiosa para Michael Perry

At the Second Vatican Council (1962-65), the celebrated American Jesuit John Courtney Murray played a leading role, as is well known, in persuading the magisterium of the Roman Catholic Church - the bishops and, ultimately, the pope - to embrace the right to religious freedom. Murray was concerned with more than just religious freedom, however; he was also concerned with what we may call moral freedom. In 1960, the year in which the first and, so far, only Catholic was elected to the presidency of the United States, Murray's published *We Hold These Truths: Catholic Reflections on the American Proposition*. Murray wrote, in that now-famous book, that "the moral aspirations of the law are minimal. Laws seek to establish and maintain only that minimum of actualized morality that is necessary for the healthy functioning of the social order." According to Murray, the law should "not look to what is morally desirable, or attempt to remove every moral taint from the atmosphere of society. It [should] enforce[] only what is minimally acceptable, and in this sense socially necessary."


"But why should 'the moral aspirations of the law' be only 'minimal'," we may fairly ask. "Why should 'laws seek to establish and maintain only that minimum of actualized morality that is necessary for the healthy functioning of the social order'? Why should the law 'enforce only what is minimally acceptable, and in this sense socially necessary'?" In this essay I provide an answer, in the course of defending this claim: The case for liberal democracy's affirming the right to moral freedom is analogous to and no less compelling than the case for its affirming, as it does, the right to religious freedom. Liberal democracy should affirm the former right, therefore, as well as the latter; it should affirm moral freedom as well as religious freedom.


Leia na íntegra: Religious Freedom and Beyond: The Right to Moral Freedom (Michael Perry)


he Roman Catholic Church was famously late to embrace the right to religious freedom. Some have plausibly argued that when the Second Vatican Council, in 1965, overwhelmingly adopted the Declaration on Religious Freedom - known by the first two words of its official, Latin version: Dignitatis Humanae - the Church betrayed one of its most traditional and established theological teachings. Did the Church, at Vatican II, capitulate to, or at least compromise with, "liberalism?"

The right to religious freedom, according to international law, rests in part on respect for the "inherent dignity" of every human being. Thus there is a prima facie link between the liberal-democratic justification and the Church's 1965 justification. But as I argue in this essay, the appeal to human dignity is not an exclusive preserve of modern liberal democracy. Indeed, we can imagine a government that refuses to affirm the right to religious freedom because it wishes to save souls, and this precisely out of respect for human dignity of every human being. Such a view was proclaimed by the the pre-Vatican II Church. Thus the appeal to human dignity is not evidence of a fundamental shift by the Church. What then does account for the Church's undeniable U-turn - its undeniable change of direction?

Respect for human dignity by itself cannot provide the fundamental justification for the right to religious freedom. Another ingredient is needed: distrust, born of long historical experience, of government competence to adjudicate contested questions of religious truth. The Church in Dignitatis Humanae finally came to accept this lesson of history - a lesson available to believers of various faiths, including Catholics, as well as to nonbelievers.

Leia na íntegra:Liberal Democracy and the Right to Religious Freedom (Michael Perry).


This Essay is the basis of a presentation I made to a symposium on religious freedom at the Roger Williams University School of Law in October 2004. I inquire, in the Essay, whether we who affirm (what I call) the morality of human rights should want the international law of human rights to protect a right to religious freedom. Along the way, I offer some reflections on the relevance of cultural relativity to the project of universalizing human-rights-claims.

Leia na íntegra: A Right to Religious Freedom? The Universality of Human Rights, the Relativity of Culture (Michael Perry)

Os direitos fundamentias para Luigi Ferrajoli

Matter

DERECHOS FUNDAMENTALES por Luigi Ferrajoli


¿Cuales son los derechos fundamentales? Y ¿Que hacer frente al desafío del mercado global y los particularismos? Con base a estas dos interrogantes, el autor considera que los derechos que por su importancia deben ser garantizados son aquellos cuya defensa es necesaria para la paz, los derechos de igualdad de las minorías que garantizan un pleno multiculturalismo y los derechos que protejan a los débiles frente al mas fuerte. El estado no solo debe garantizar los derechos fundamentales frente a lo publico sino también frente a lo privado, incluyendo los derechos sociales y el marco del derecho internacional, para así combatir la crisis del constitucionalismo frente a una globalización sin reglas ni controles que acentúa las diferencias entre las personas.