segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Direito Constitucional Comparado: Críticas e vantagens

Prof. José Adércio Leite Sampaio
Mestrando: Arthur Maciel Motta

Todos temos presente que é da natureza humana realizar comparações. O homem, com muita freqüência, avalia, de tudo um, por comparação. Uns dizem que a comparação evita, por vezes, a “reinvenção da roda”, pois se um caminho já foi trilhado por alguém, as experiências colhidas devem ser consideradas. Aprender com os erros e acertos dos outros, além do que com os próprios, é sinal de inteligência, economia e prudência.
A Revista Veja[1] apresenta o atleta jamaicano Usain Bolt, recordista mundial dos 100 e dos 200 metros rasos, como um “atleta além dos limites”. A reportagem, em sua parte final, retrata observações do antropólogo Daniel Lieberman, da Universidade de Harvard:
Parte da facilidade com que Usain Bolt supera seus adversários se deve às origens étnicas. No passado, populações isoladas desenvolveram capacidades físicas específicas que ficaram impressas nos genes. Corredores com herança genética da África Oriental, como os etíopes e os quenianos, têm nos músculos grande quantidade de fibras de contração lenta, o que os torna vencedores naturais de maratonas. Já os indivíduos com genes da África Ocidental, de onde vieram provavelmente os ascendentes do corredor jamaicano, têm fibras de contração rápida. São ótimos em provas de aceleração explosiva.
Todas as avaliações dessa análise, como se vê, foram obtidas por intermédio de inúmeras comparações.
No Direito Constitucional, esse conhecimento – advindo da comparação – produz o mesmo efeito prático. Num tema de tão grande importância para a vida das pessoas, é fundamental que se estude a evolução do constitucionalismo moderno e, por comparação, se verifique os erros e os acertos cometidos pelas diversas nações, bem como por nós mesmos, nos diversos textos constitucionais que produzimos ao longo de nossa história.
1 A comparação como método e ciência
Inicialmente, deve-se considerar que a ciência da comparação enfrenta três problemas básicos: o primeiro, é o da função: para que se compara; o segundo, é o do objeto: o que se compara; e o terceiro, é o do método: como comparar.
Da história, retira-se que a formação dos Estados Nacionais conduz ao surgimento de múltiplos ordenamentos estatais, soberanos e autossuficientes. Esses ordenamentos distintos implicam coincidências, semelhanças e diferenças. Segundo Giuseppe Vergotini:
Há uma falta de atenção substancial nas questões do método comparativo em virtude de que, até pouco tempo atrás, a análise recaía apenas sobre os ordenamentos europeus e dos Estados Unidos da América, uma vez que entendiam que a forma política natural dos Estados era a democracia liberal. O que se afastava disso era considerado degenerações, suscitando apenas meras curiosidades (2004, p. 3).
Essa análise eurocêntrica alterou-se com a Primeira Guerra Mundial e a entrada em cena da União Soviética, tendo fim com o surgimento de novos ordenamentos estatais pós-1945.
Os novos Estados surgidos não se enquadravam na forma clássica de Estado democrático-liberal. Isso levou a que não se procedesse a comparações ampliadas e se tivesse apenas comparações meramente descritivas dos ordenamentos constitucionais. As dificuldades de comparar coisas distintas permanecem até hoje.
Hoje se tem presente que a função principal do Direito Constitucional Comparado é o conhecimento, sendo sua função secundária a utilização dos resultados obtidos por meio da comparação em diversos objetivos.
Como ideia básica tem-se que a comparação é um método que permite a aquisição de novos conhecimentos. Da comparação surgem elementos cognitivos indispensáveis para a ciência do Direito Constitucional. Por exemplo, os conceitos de “forma de estado” e “forma de governo” procedem de estudos realizados em ordenamentos constitucionais distintos. Os ordenamentos servem de parâmetro de referência para os estudos sucessivos de novas realidades constitucionais.
Além disso, o Direito Constitucional, quando comparado, permite que a ciência jurídica se torne internacional e, portanto, ciência em sentido próprio. Quando o método comparado se constrói com suas próprias modalidades, quando afeta a campos de investigação concretos e atende a regras que somente são próprias dele e não de outras disciplinas científicas, pode-se concluir que o Direito Constitucional é uma ciência autônoma.
A comparação oferece, ainda, a oportunidade de se efetuar uma comprovação dos dados referentes ao conhecimento dos ordenamentos examinados. Como exemplo, Giuseppe Vergotini cita:
Quando a Itália necessitou criar leis excepcionais para combater o terrorismo político, ela se valeu da comparação do estudo da Constituição de Weimar (art. 48), da atual Constituição Francesa (art. 16) e da Lei Fundamental de Bonn (Cap. X, a). Isto possibilitou derrogar algumas garantias, previstas para tempos normais, bem como alterar a competência dos juízes (2004, p. 8).
É certo que a comprovação das generalizações que se formulam sobre a base dos conhecimentos empíricos é uma função essencial da ciência comparada. Com isso, pode-se ter resultados mais seguros e satisfatórios para determinadas mudanças que se pretende tomar. Quando os dados empíricos estatísticos e históricos não são suficientes, o único remédio é a comparação com as soluções dadas por outros ordenamentos, a fim de comprovar a exatidão dos dados disponíveis.
Deve-se considerar que o recurso da comparação pode ser usado para facilitar – mediante a confrontação com normas e práticas aplicadas por outros ordenamentos – a confrontação de institutos próprios do ordenamento que se toma como referência. O conhecimento comparado oferecerá um sólido marco de referência para as análises de institutos que se pretende investigar, sejam existentes no ordenamento constitucional pátrio, sejam tendentes a serem incluídos nesse ordenamento.
Interessante observar que o método comparado forma parte das técnicas interpretativas dos institutos constitucionais utilizados como o marco da interpretação sistêmica, especialmente pelos órgãos jurisdicionais. Nota-se que a comparação jurídica, por exemplo, é um dos métodos aos quais recorrem os tribunais constitucionais para interpretar as disposições relativas aos direitos humanos. Além dos métodos literal, sistemático, histórico e teleológico, de Savigny, Häberle coloca o método comparativo como quinto método de interpretação.
Agora mesmo, no caso do pedido de extradição feito pelo Governo da Itália para o condenado Cesare Battisti, o Direito Constitucional Comparado está fortemente presente nas análises, pois é feita sistemática comparação entre dispositivos da legislação italiana e brasileira, uma vez que o Governo Brasileiro já concedeu asilo político ao militante da esquerda italiana.
A comparação permite, ainda, a recepção, por parte do ordenamento jurídico, de institutos maduros e que já se afirmaram no âmbito de outro ordenamento jurídico. Os processos de formação de novos Estados e os de colaboração política têm conduzido à experimentação de formas de integração de ordenamentos jurídicos diferentes, frequentemente com uso do recurso determinante da comparação como, por exemplo, quando foi estabelecida a União Européia.
No caso brasileiro, uma situação que impõe um estudo criterioso de nossa parte é a existência do Mercado Comum do Sul – o Mercosul –, pois já se sente a necessidade de harmonizar determinadas normas constitucionais dos países integrantes do Bloco.
2. o objeto da comparação
Os ordenamentos estatais e suas instituições são o objeto da comparação do Direito Constitucional Comparado, segundo opinião generalizada da doutrina. Mas, tendo em conta o pluralismo dos ordenamentos, a comparação pode realizar-se tanto no interior de um ordenamento quanto no exterior do mesmo. Da mesma forma, a confrontação pode ser feita também com ordenamentos de entidades jurídicas que não sejam Estados: a União Européia (EU), por exemplo.
Para realizar a comparação, faz-se mister aprofundar o estudo do outro Direito, por meio do conhecimento da história constitucional, do sistema de fontes e da aplicação real da normativa constitucional. Deve-se conhecer os institutos típicos do ordenamento estrangeiro e familiarizar-se com sua terminologia jurídica.
Basicamente, para realizar a comparação no Direito Constitucional, há dois métodos: a Macrocomparação e Microcomparação. Por Macrocomparação, defini-se a comparação que se refere a ordenamentos analisados em seu conjunto. Microcomparação, por outro lado, seria a comparação realizada entre setores ou institutos concretos de cada ordenamento, o que é de mais prática execução.
Por outro lado, não se pode olvidar que o Direito que se constitui como objeto da uma possível comparação é o Direito Positivo vigente nos ordenamentos afetados pela investigação comparada. O eventual exame de dispositivos que já não se encontram em vigor é objeto de investigações históricas.
Comparar, em letras frias, significa confrontar, pondo em relevo semelhanças e diferenças que resultam da disciplina normativa estabelecida por distintos ordenamentos, bem como das que resultam da prática constitucional e da jurisprudência.
A comparação não pode se restringir ao direito escrito e codificado, pois “seria parcial, distante da realidade social” (Vergotini, 2004, p. 28). Assim, a comparação se refere às normas efetivamente vigentes, inseridas ou não nos textos escritos. É o direito realmente vigente que deve ser considerado para efeitos comparativos, não coincidindo, necessariamente, com o direito escrito.
A possibilidade de comparar ordenamentos e instituições faz referência à seleção dos materiais objeto do estudo e às questões relativas ao método. Essa possibilidade se vincula à busca de sua homogeneidade, cujo conceito é diferente quando se fala de relações entre ordenamentos e quando se fala em relações entre institutos de diversos ordenamentos.
A homogeneidade dos ordenamentos pressupõe que pertençam à mesma forma de Estado. Porém, é evidente que uma classificação não pode dificultar o conhecimento dos diversos ordenamentos, que é o fim da ciência comparada, mesmo porque, a comparação pode manifestar diferenças junto com as semelhanças.
O estudo comparado de ordenamentos heterogêneos, os enquadrados em formas de Estado distintas, obriga o aprofundamento do estudo nos aspectos que sustentam os ordenamentos examinados.
O conceito de homogeneidade que se aplica a institutos presentes em vários ordenamentos (homogêneos ou heterogêneos) é profundamente diferente. No caso, a homogeneidade alude à determinação dos elementos identificadores comuns a dois ou mais institutos objeto de confrontação.
Isto quer dizer que aspectos meramente formais de qualificação de um instituto não são suficientes para estabelecer a priori equivalências entre institutos de ordenamentos enquadrados em formas de Estado diferentes. Conceitos como parlamento, direito de liberdade, partidos, representação, são comuns a vários ordenamentos, mas podem ter conteúdos diferentes.
O perigo de se estabelecer conclusões apressadas se dá, também, quando a comparação ocorre dentre da mesma forma de Estado. Por outro lado, a existência de institutos que, por sua qualificação são aparentemente homogêneos, não que dizer que existam soluções jurídicas que, do ponto de vista substancial, sejam homogêneas.
Além disso, a comparação comporta uma operação lógica de análise de ordenamentos e de institutos, de considerações dos resultados recolhidos, de confrontação entre os mesmos e, por fim, de síntese conclusiva, a partir da qual emergem apreciações críticas que comportam um sentido próprio ao juízo comparativo.
Quando se leva a cabo uma comparação, quando se estuda institutos nacionais já existentes e experimentados, confunde-se o instituto nacional com o modelo abstrato. Assim, os elementos identificadores da investigação se deduzem exclusivamente do ordenamento nacional que se compara com outros.
Mas, quando o instituto não está regulado no Direito Positivo, somente existindo em proposição legislativa ou em estudo da doutrina, fica mais clara a exigência de se estabelecer um modelo de referência para a análise. Tal modelo deve ser construído por um trabalho de abstração deduzido da experiência de diversos ordenamentos.
Parece mais seguro e cientificamente mais fundado estabelecer o fim que está por trás do instituto estudado, ou seja, sua função precípua, sem com isso se pretender excluir a relevância dos aspectos formais.
3. modelos de referência
O Direito Comparado não é o direito que surge de uma simples comparação de textos legislativos, mas é o que procede da comparação de diversas soluções jurídicas para os mesmos problemas de fato que afrontam os sistemas legais de distintos ordenamentos. Vale dizer, as instituições de sistemas legais diferentes podem ser razoavelmente comparadas unicamente se buscam o mesmo fim, se cumprem a mesma função. A função é o ponto de partida e a base de toda comparação jurídica.
Como a ciência do Direito Comparado toma por base como comparável o que responde pela mesma função, ou seja, se o critério de referência é a função, é evidente o perigo para esta ciência de usar materiais escolhidos exclusivamente por suas semelhanças formais.
Para facilitar a comparação, julga-se que a investigação deve buscar, em primeiro lugar, os órgãos do Estado e sua estrutura jurídica e, no passo seguinte, estas instituições seriam examinadas à luz da função que cumprem.
Em qualquer comparação, o primeiro problema é sempre o de comprovar que as variáveis objeto de contraste são realmente de mesma classe. A classificação supõe um agrupamento de objetos de análises de maneira que formem categorias sistemáticas, contextos comuns, dentro dos quais estejam todos os casos que respondam aos elementos característicos das mesmas categorias. Exaustividade e exclusividade são os traços próprios da classificação.
A dificuldade está no fato de que o objeto do estudo comparativo são os ordenamentos jurídicos, caracterizados por grande heterogeneidade de elementos constitutivos. Deve-se, assim, esforçar-se para realizar uma classificação, mesmo que não seja completa.
O agrupamento de diversas categorias de ordenamentos estatais em classes, à vista de sua homogeneidade recíproca, constitui a premissa necessária à realização de comparações em seu interior. A eleição de critérios distintos para classificar é perfeitamente admissível, correspondendo a cada investigador escolher os que sejam funcionais para o tipo de trabalho que quer realizar. Para Vergotini, na elaboração de uma tipologia, os critérios que se consideram idôneos para realizar a análise e classificação são: “o critério relativo à titularidade do poder; o critério relativo às modalidades de exercício do poder; e o critério relativo aos fins do exercício do poder” (2004, p. 42).
A opção de se recorrer às diversas formas de Estado para realizar comparações tem se mostrado confirmada pelos resultados práticos. Uma classificação aceita é aquela que “concede espaço para o direito romano-germânico, para o da Common Law, para o socialista, o hindu, o muçulman e o chinês” (Vergotini, 2004, p. 49).
Há doutrinadores que apresentam distintas classificações. Como exemplo, tem-se aqueles que estabelecem grupos de direitos subdivididos em famílias: grupo ocidental, dividido nas famílias européias, latino-americanas, nórdica e da Common Law; grupo socialista, dividido nas famílias soviética (que não faz mais sentido), e nas democracias populares e da China; e grupo que espera posteriores aprofundamentos, como os direitos asiáticos e africanos.
Sobre o tema, uma visão interessante é a apresentada por Axel Tschentscher. Segundo ele, enquanto o estudo do Direito Comparado, de um modo geral, ainda enfrenta grande diversidade, o Direito Constitucional já encontra grande convergência, podendo-se reconhecer a existência de um “Direito Constitucional Internacional”. Como exemplo, cita que a Corte Européia de Justiça já atingiu um consenso constitucional entre os membros da União Européia.
O Direito Constitucional Comparado envolve aspectos fundamentais para a boa governança de um país, seja visando a uma correta organização política, seja visando ao cumprimento de direitos básicos do cidadão. Padrões legais formalizados não são impostos com supremacia sobre as constituições dos países, mas – segundo Axel Tschentscher – já temos organizações internacionais e cortes legislando e julgando de forma que os países não podem facilmente desconsiderar suas decisões. Esses legislativos e judiciários tendem a estabelecer o que se chama “Direito Constitucional Internacional”.
Comparar constituições é uma das formas de analisar seus conteúdos. Com essa globalização no campo do Legislativo e do Judiciário, cresce de importância do estudo do Direito Constitucional Comparado.
Historicamente, identifica-se em Aristóteles – Livros III e IV de a “Política” – interessante distinção. Após análise e comparação, o filósofo distingue as constituições verdadeiras, como sendo as que visam ao bem-estar dos cidadãos, das perversas, que visam ao bem das próprias regras. Fechando curta análise histórica, Axel Tschentscher afirma que:
Outro ponto histórico que deve ser citado foi quando da confecção do esboço do que seria a Constituição dos Estados Unidos da América, pois comparou-se diversos pontos das leis dos estados-membros, culminando com a adoção do federalismo daquele país. E, após a II GM, o constitucionalismo comparativo apresentou-se como um dos expedientes utilizados em ondas de novas constituições que foram rascunhadas e adotadas pelos países descolonizados e pelos desmembrados (2008, p. 2).
Como medida prática, verifica-se que para realizar macrocomparações é necesssário, como passos iniciais, realizar microcomparações, ou seja, comparar institutos de per si. Alex Tschentscher, citando Häberle, ensina que “a análise comparativa por tópicos específicos, ou seja, a microcomparação, dá um suporte de confiança maior ao Direito Constitucional Comparado” (2008, p. 3).
Não obstante, há críticos que apontam seus fogos contra o processo, com as seguintes afirmações: os textos constitucionais são incompletos, o que causa uma incompletude nas análises; a letra fria do documento constitucional pode ser mal entendida, fugindo da prática real de sua utilização; o texto constitucional é indeterminado, no que diz respeito a possíveis interpretações distintas tiradas da leitura do mesmo dispositivo; o texto constitucional pode ser ineficaz, tendo um caráter não de regra, mas de símbolo; e constituições escritas podem ser consideradas desnecessárias, haja vista o exemplo da Grã-Bretanha.
Como contraponto destas críticas, afirma-se que apesar de incompleto, o texto constitucional é o melhor ponto de partida para se analisar as questões político-sociais de um país.
Além disso, ainda parafraseando Häberle, Alex Tschentscher afirma que “o Direito Constitucional Comparado pode ser entendido como o quinto método de interpretação” (2008, p. 3). Como técnica de entendimento do significado dos textos legais, a comparação assumiu o status de quinto método, somando-se às classificações literal (gramatical), sistêmica, histórica e teleológica. Isso sem considerar que a incorporação dos Direitos Humanos nas constituições nacionais propiciou, de forma muito forte, a padronização dos textos.
Por fim, discorre Alex Tschentscher que os métodos de comparação constitucional seriam três: Comparação Material ou Substantiva, que consiste na análise comparativa feita sobre a prática constitucional como, por exemplo, sobre as decisões políticas e judiciais tomadas no país em estudo; o Método Tradicional, ou seja, uma lista com questões sobre determinado ponto que é enviada para especialistas constitucionais nos países em estudo e que, uma vez respondidas, passam pelo crivo de um relator ad hoc, nomeado para fazer a comparação; e o Método Dialético, vale dizer, aquele que à medida que é apresentado um tópico de uma constituição, após a pesquisa, um outro ponto de vista de diferentes constituições é lançado na discussão, intencionalmente, a fim de corrigir possíveis erros visualizados na interpretação da primeira.
Sujit Choudhry, em interessante texto sobre o tema, comenta uma entrevista pública feita pela aluna Norma Dorsen aos juízes da Suprema Corte Norte-Americana Stephen Breyer e Antonin Scalia – o primeiro favorável e o segundo contrário –, versando sobre a relevância constitucional das decisões de cortes estrangeiras. No debate, os juízes mostram, de forma clara, o drama de usar ou não ideias constitucionais de outros países, a chamada migração de ideias constitucionais. Patriotismos à parte, o texto mostra uma aplicação prática da comparação de legislações constitucionais de países distintos, apontando para a necessidade de se considerar análises feitas por outros povos, a despeito de empregarem textos constitucionais diferentes.
Ao estudar o assunto, Matthew S. R. Palmer – no texto que trata da linguagem no diálogo constitucional, no qual afirma que ocorrem negociações longe das vistas do povo – identifica o que chamou de realismo constitucional. Esse realismo existe na medida em que há fatores que influenciam o exercício do poder, o que possibilita uma identificação distinta do significado ou do objetivo da lei. A tese do realismo constitucional é a de que as pessoas vivenciam, com suas experiências, ao vivo e, também, de modo virtual, o Direito Constitucional. Esse realismo escapa, a toda hora, do ordenamento escrito, devendo, portanto, ser diagnosticado para não prejudicar os interesses do povo.
Por fim, outra análise digna de nota é a feita por Ganesh Sitaraman, ao comentar o uso e o abuso da lei estrangeira na interpretação constitucional. A discussão surge, também, com o uso da legislação estrangeira em decisões da Suprema Corte Norte-Americana, como no caso Atkins versus Virgínia e Roper versus Simmons.
Para Ganesh Sitaraman, há três formas de emprego do Direito Constitucional Comparado. A primeira diz respeito ao que ele considera “uso não problemático do direito estrangeiro”, quando: apenas cita a língua estrangeira, ilustra contrastes, usa como reforço lógico aos argumentos presentes e apresenta proposições factuais; a segunda forma seria o “uso relativamente problemático do direito estrangeiro”, por empregá-lo como raciocínio persuasivo, por simples aplicação direta ou tomando como base suas consequências empíricas; e a terceira forma, esta nefasta, seria o “uso problemático do direito estrangeiro”, na medida em que é aplicado por agregação pura e simples, por empréstimo autoritário ou, pelo contrário, quando explicitamente não é utilizado sem qualquer justificação. Como se vê, para o autor, “o uso de lei estrangeira não só é permitido nos Estados Unidos da América, como é, por vezes, necessário” (2006, p. 2).
CONCLUSÃO
Feitas essas reflexões, chega-se à conclusão que o estudo do Direito Constitucional Comparado é de capital importância para o desenvolvimento e evolução do Direito Constitucional de qualquer país. Não há como, com a globalização que se tem hoje, com as comunicações reduzindo e, por vezes, eliminado as distâncias entre os povos, com a formação de blocos de países, viver numa “ilha” jurídica isolada do mundo exterior.
De tudo, pode-se fechar essa análise com as seguintes ideias:
- anterior à comparação, tem-se a eleição de critérios de classificação, que apresentam caráter relativo. A classificação tem por objetivo determinar unidades de estudo chamadas classe, que podem se subdividir;
- a função essencial e primária da comparação é o conhecimento, podendo-se utilizar as noções adquiridas para diversos fins;
- a comparação consiste numa operação lógica que supõe um estudo analítico dos ordenamentos e instituições examinados, a consideração dos dados obtidos, seu contraste e uma síntese da qual emerge uma valorização crítica que contém um juízo comparativo.
- a comparação pode ser espacial (sincrônica), quando se examina os ordenamentos num momento determinado, normalmente contemporâneo à análise que se desenvolve; ou histórica (diacrônica), quando se examinam os ordenamentos em sua sucessão temporal, feita esta, normalmente, como instrumento auxiliar;
- a comparação pressupõe o exame de ordenamentos estatais e de organizações internacionais;
- os ordenamentos comparados podem pertencer a formas de Estado distintas. A homogeneidade não é requisito imprescindível para a comparação, sendo que esta recairá apenas sobre uma classe específica ou uma subclasse;
- a comparação deverá considerar também o direito não escrito, tendendo a verificar o cumprimento do que está escrito;
- a comparação pode tomar em consideração os ordenamentos in totum (macrocomparação) ou os institutos de diferentes ordenamentos (microcomparação);
- como exemplos de métodos a serem empregados temos: o quantitativo e estatístico, o estudo de caso e o histórico;
- o resultado da comparação consiste em apresentar coincidências, semelhanças e diferenças;
- a análise pressupõe a determinação preventiva de um marco de referência que opera como parâmetro de base para o investigador realizar seu trabalho. Esse parâmetro, que pode ser implícito, às vezes se confunde com o esquema do instituto próprio de quem realiza a comparação; e
- a forma mais segura de superar as divergências de definição consiste na identificação da função pela qual determinado instituto – que se quer comparar – responde.
Assim, verifica-se que o marco de referência para o desenvolvimento do juízo comparativo não pode prescindir da identificação preventiva da função desempenhada pelo instituto que se quer comparar.
O estudo do Constitucionalismo e a comparação dos textos constitucionais devem ser encarados como instrumentos poderosos para a consecução de análises do nosso próprio ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHOUDHRY, Sujit. Migration as a new metaphor in comparative constitucional Law. New York: Cambridge University Press, 2006. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2009.
DIPPEL, Horst. História do constitucionalismo moderno. Novas perspectivas. Trad. António Manuel Hespanha e Cristina Nogueira da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação e Bolsas, 2007.
PALMER, Matthew S. R. The Language of Constitutional Dialogue: bargaining in the shadow of people. Palestra. Toronto, Canada: York University, 2007. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2009.
SITARAMAN,Ganesh. The use and abuse of foreign Law in constitutional interpretation. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2009.
VERGOTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional comparado. Trad. Cláudia Herrera. México: Unam, 2004.
Notas:
[1] TEIXEIRA, Duda. Um atleta além dos limites. Revista Veja. São Paulo: Abril, ed. 2127, n.34, ago. 2009, p. 98.

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