terça-feira, 31 de agosto de 2010

Há hierarquia entre normas constitucionais?

O etendimento dominante na teoria e na jurisprudência do STF é de que não há hierarquia entre normas constitucionais nem haveria direitos fundamentais absolutos. Escreveu na ADPF 130, o Ministro Celso de Mello. "É certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente proclamado por esta Suprema Corte (RTJ 173/805-810,807-808, v.g.), direitos e garantias revestidos de natureza absoluta".
A liberdade de expressão, por exemplo, tem fronteiras na intimidade e honra alheias. Se assim não fosse, disse Celso de Mello, "os atos de caluniar, de difamar, de injuriar e de fazer apologia de fatos criminosos, por exemplo, não seriam suscetíveis de qualquer reação ou punição, porque supostamente protegidos pela cláusula da liberdade de expressão".
Mas a argumentação constitucional, muitas vezes, revela algo bem diferente. Note-se, por exemplo, "a dignidade da pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República (art. 1º, III, da CF/1988)": 1a Turma. HC 83358/SP. Na mesma ADPF 130/DF, ementou-se: "Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras".

O relator da Arguição, embora tenha afastado a existência de direitos absolutos, reconheceu expressamente a existência de hierarquia entre direitos: "Primeiro, [na Constituição], assegura-se o gozo dos sobredireitos (falemos assim) de personalidade, que são a manifestação do pensamento, a criação, a informação, etc., a que se acrescenta aquele de preservar o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício da profissão do informante, mais a liberdade de trabalho, ofício, ou profissão. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais sobre-situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana; ou seja, como exercer em plenitude o direito à manifestação do pensamento e de expressão em sentido geral (sobredireitos de personalidade, reitere-se a afirmativa), sem a possibilidade de contraditar, censurar, desagradar e até eventualmente chocar, vexar, denunciar terceiros? Pelo que o termo 'observado', referido pela Constituição no caput e no § 1º do art. 220, é de ser interpretado como proibição de se reduzir a coisa nenhuma dispositivos igualmente constitucionais, como os mencionados incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º."
Disse mais que "por se tratar de superiores direitos que, se manifestados por órgão de imprensa ou como expressão de atividade jornalística, passam a receber sobretutela em destacado capítulo da nossa Lei Maior (Capítulo V do Título VIII). (...). Está-se primariamente a lidar, assim, com direitos constitucionais insuscetíveis de sofrer 'qualquer restrição (...)', seja qual for a “forma, processo ou veículo” de sua exteriorização. a Constituição brasileira se posiciona diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, cravar uma primazia ou precedência: a das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu (que ainda abarca todas as modalidades de criação e de acesso à informação, esta última em sua tríplice compostura, conforme reiteradamente explicitado). Liberdades que não podem arredar pé ou sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, compreensivo este das próprias emendas à Constituição, frise-se. Mais ainda, liberdades reforçadamente protegidas se exercitadas como atividade profissional ou habitualmente jornalística e como atuação de qualquer dos órgãos de comunicação social ou de Imprensa. Isto de modo conciliado: I - contemporaneamente, com a proibição do anonimato, o sigilo da fonte e o livre exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão; II - a posteriori, com o direito de resposta e a reparação pecuniária por eventuais danos à honra e à imagem de terceiros. Sem prejuízo do uso de ação penal também ocasionalmente cabível, nunca, porém, em situação de rigor mais forte do que o prevalecente para os indivíduos em geral". Longa a transcrição, mas esclarecedora.
No mesmo voto em que parecia relativizar os direitos, o Ministro Celso de Mello votou: "Não deixo de reconhecer (...) que os valores que informam a ordem democrática, dando-lhe o indispensável suporte axiológico, revelam-se conflitantes com toda e qualquer pretensão estatal que vise a nulificar ou a coarctar a hegemonia essencial de que se revestem, em nosso sistema constitucional, as liberdades do pensamento." O legislador de concretização não é Estado? Haveria, como disse o Min. Carlos Ayres, uma interdição à lei? Como admitir a legislação penal e civil sobre o tema, expressamente, admitida por eles?

Um esforço sistemático de interpretação dos votos autoriza a dizer que, realmente, há relativização dos direitos. Mas, na linguagem do Tribunal, há excertos de predominância absoluta ou pelo menos relativa de uns sobre outros direitos. Sobre e subdireitos.

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