domingo, 29 de agosto de 2010

Constitucionalismo Whig


Há três livros centrais para o entendimento da filosofia política dos Whigs: Patriarcha, Non Monarcha (1681) de James Tyrell, Discourses Concerning Government (1698) de Algernon Sidney e Two Treatises of Government (1690) de John Locke. As três obras criticam a teoria do direito divino dos reis, defendida por Robert Filmer (Patriarcha, or the Natural Power of Kings de 1680). A ideia central por elas defendida era a de um governo limitado pelo direito (rule of law), baseado numa evolução histórica das instituições, acelerada pela razão. O passado era uma etapa necessária para os acontecimentos futuros. Ou, de outro modo dito, a democracia liberal evoluíra com o tempo, graças a aprendizagem de cada geração.
Especialmente em leituras moderadas e radicais do pensamento whig, a igualdade no estado de natureza levara ao contrato social que, por sua vez, instituiu a regra da maioria. A regra da maioria fora o meio de promover a igualdade de direitos entre todos que aceitaram ser cidadãos. Para evitar que a regra levasse à tirania da maioria, imaginou-se a separação de poderes e os instrumentos constitucionais de freios e contrapesos. Havia, na verdade, três correntes Whigs, uma moderada, de Tyrell; Outra, mas à esquerda, de Sidney e Locke. A terceira era conservadora e tinha Burke (1729-1797) como grande expoente.
Inspirado em Samuel Pufendorf (1632-1694), Tyrell efatizava a supremacia do parlamento e o controle do poder político. Pufendorf, por sua vez, desenvolvera a noção grotiana de direitos naturais e a origem contratualista do Estado. O espaço para violência ou revolução era muito pequeno, pois, segundo Pufendorf, a resistência aos tiranos só se justificaria em situações extremas como último recurso da comunidade para restaurar as liberdades. Não havia, portanto, um direito natural à revolução (ou mais exatamente à resistência. Segundo Tyrell, o Rei-no-Parlamento era a forma ideal de governo limitado.
Locke e Sidney, “radicais”, defendiam o republicanismo e os direitos individuais. Sidney, baseado em Spinoza, era o defensor da soberania popular, dos direitos naturais e do poder da razão como instrumentos de progresso social. Locke não era um republicano tão radical quanto Sidney. A ênfase maior de Locke foi dada à concepção individualista das origens e da legitimidade do poder político, submetido, por isso, a um regime jurídico de contenção e equilíbrio. Assim como Sidney e contra Tyrell, Locke admitia mudanças significativas na sociedade política de tempos em tempos, sempre que o governo não mais conseguisse proteger os direitos naturais de propriedade. A soberania era do povo e não dos governantes.
O pensamento dos três, especialmente a versão moderada, foi seguida por Cato (pseudônimo de John Trenchard (1662-1723) e Thomas Gordon (1692-1750)) e Blackstone (1723-1780). Cato, um pouco mais lockeano, era o mais crítico ao constitucionalismo misto adotado pela Grã-Bretanha. Blackstone, entretanto, foi o grande defensor da supremacia do Parlamento. Foi, portanto, o momento pufendorfiano, trazido por Tyrell, que acabou por prevalecer durante o século XVIII. Não faltaram esforços dos “reformadores ingleses” como Joseph Priestley (1733-1804) e Richard Price (1723-1791) que procuraram mais em Locke e em Sidney os argumentos para sua crítica ao “constitucionalismo evolutivo” inglês.
O pensamento whig “radical” influenciou decisivamente os pensadores e revolucionários norte-americanos como James Otis (1702-1778), Thomas Jefferson (1743-1826)[2] e Thomas Paine (1737-1809). Os discursos em favor dos direitos naturais, da soberania popular e do direito de revolução contra a metrópole opressora eram as marcas desse legado.
Burke, com a sua crítica à razão abstrata e ao contratualismo, era o advogado da tese do continuísmo progressista. As instituições se desenvolveriam no sentido da prudência e da lei natural. Aliás, sua concepção da natural law era semelhante à de Cícero (106 aC- 43 aC) e Suarez (1548-1617) como bem notara Strauss (p. 295). Os direitos não seriam inatos, mas produto da história, direito que os ingleses conquistaram com seus percalços.
A influência de Burke se pode notar em Madison (1751-1836) e, de modo ainda mais forte, em Calhoun (1782-1850). Calhoun acreditava numa inclinação natural do homem para a sociedade e a política que redundaria numa "constituição política da sociedade", embora permanecesse ali o bellum omnium contra omnes, tipico do Estado de Natureza hobbesiano, agora traduzido na luta entre maiorias e minorias.

Mais?
WARD, Lee. The Politics of Liberty in England and Revolutionary America. Cambridge: Cambridge University Press, 2004
MAYER, David. The English Radical Whig Origins of American Constitutionalism, Washington University Law Quarterly, v. 70, 1992, p. 131-208
CURTIS, Michael Kent. Resurrecting the privileges or immunities clause and revising the slaughter-house cases without exhuming Lochner: Individual rights and the fourteenth amendment. Boston College Law Review, v. 38, n. 1, 1996, p. 1-106
BRADBURN, Douglas. Review of Ward, Lee, The Politics of Liberty in England and Revolutionary America. H-Atlantic, H-Net Reviews. May, 2005.

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