sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas: Arruti

Para aqueles que se interessam pela gênese das categorias sociais, ou pela "formação" (no sentido thompsoniano) das classes, estratos ou grupos como "sujeitos políticos", a história do Brasil passa por um momento privilegiado, apesar da apatia, ou justamente por causa dela, que se apoderou da política convencional. Novos sujeitos de interesse entram em cena, não só por conta do crescimento de grupos e potencialização de "lutas" já existentes, como no caso do Movimento dos Sem-Terra, mas também em função da criação de novas figuras legais, os chamados "direitos insurgentes" (Silva 1994), que penetram nosso direito positivo através dessas rachaduras hermenêuticas que são os "direitos difusos". A partir deles, ganham espaço as "populações tradicionais", particularmente aquelas a que se refere o "Artigo 68", conhecidas, desde então, como "comunidades remanescentes de quilombos"1. Este texto pretende tomar como objeto de reflexão tais criações sociais, feitas simultaneamente de imaginação sociológica, criações jurídicas, vontade política e desejos.

Depois de ter sido aprovado sem maiores discussões como uma das disposições constitucionais transitórias, não tanto pelo seu valor intrínseco, mas como mais um item no pacote das festividades pelo centenário da abolição da escravatura, o "Artigo 68" ficou sem qualquer proposta de regulamentação2 até 1995, quando (então associado às festividades pela memória de Zumbi de Palmares) ganha importância e passa a ser alvo de debates e reflexões em âmbito nacional. Nessas discussões, fundamentalmente orientadas pela necessidade de responder às demandas de natureza jurídica e legislativa, a questão que desponta como central é a da própria definição do que foram, historicamente, os quilombos, na expectativa de, a partir daí, poder discernir os critérios de identificação daquelas comunidades "remanescentes".


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