domingo, 26 de dezembro de 2010

As origens Whig da Constituição dos Estados Unidos

Historiadores como Bernard Bailyn, John Pocock e Gordon Wood defendem a influência do pensamento constitucionalista Whig nos pais fundadores dos Estados Unidos. Eles teriam assimilado as ideias em seus estudos realizados na Grã-Bretanha. Mas o que seria, para eles, o pensamento Whig? A derivação britânica do chamado "humanismo cívico". Ao invés de os momentos constitutivos estadunidenses serem interpretados como resultado da promoção e ampliação (coletivas ou autointeressadas) dos direitos individuais, como ficou patente nas leituras lockeanas de Louis Hart, os Fundadores teriam valorizado mais a participação cívica e a virtude cidadã, segundo o costume romano, para o bem da comunidade. E mais: teriam enfatizado a continuidade, pelo menos normativa, entre a história e a política Inglesas no continente americano, o que ofenderia a natureza primordial e originária da interpretação lockeana de fundação do país. Ou, no máximo, como Wood dizia, a revolução teria sido decorrência da percepção de que ainda não seriam um povo virtuoso, sendo necessário "descontaminarem-se" das influências demasiadamente egoístas da monarquia inglesa (p. 107-108).

É curioso que o pensamento Whig se tenha alinhado com o antifederalismo. Contra todas as formas de centralização, seus defensores desejavam um Estado mais confederado que federalista. Ou pelo menos bem mais descentralizado do que desejavam os federalistas. Mas os próprios federalistas foram influenciados por aquele pensamento. E mais: seriam um desenvolvimento dele, embora mais radicais e práticos. É essa a tese de Wood. Whig imaginava, segundo ele, que o povo seria portador dos mesmos direitos e, portanto, seria homogêneo (no sentido de indistinguível ou igual, a depender da interpretação). Os americanos se achavam o povo escolhido, de modo que a ruptura levaria à formação de um Estado onde os interesses coletivos não poderiam ser divorciados dos direitos individuais. Eis por que a cultura dos direitos (típica do liberalismo) não contrariaria o ideal de supremacia da coletividade (típica dos whigs) (p. 18 et seq, 53 et seq; 70 et seq). Entretanto, os Federalistas deram um passe adiante nessa argumentação. A comunidade não era a soma de interesses homogêneos, mas o palco de conflitos políticos e econômicos entre facções. Seriam tais conflitos, segundo, por exemplo, James Madison, que garantiriam o equilíbrio social. Em resumo, a homogeneidade em direitos não significava homogeneidade de interesses. Caberia ao Estado garantir que não houvesse dominação de uma facção sobre outras.

O interesse coletivo (da comunidade) seria resultado da interação das várias facções realizada por meio do processo político que asseguraria iguais direitos de participação. O "bem" emergiria desses embates processual e politicamente mediados (p. 519 et seq). Não seria um produto imediato de deliberações populares, mas a consequência de um esforço duradouro e persistente de reconhecimento popular do que seria o bem comum (p. 471). Os governantes estariam, assim, cingidos às manifestações constantes da vontade popular. Note-se que nesse ponto os "velhos Whigs" e os "Federalistas" concordam, mas, como vimos, por caminhos diferentes. Mais tranquilos com os Whigs, mais demorados com os Federalistas. Os Whigs pensam numa sociedade baseada na organicidade característica da idade Média, enquanto os Federalistas enxergam uma sociedade pluralista, dominada pelo pensamento mecanicista. A vinculação dos governantes aos governados não é natural como imaginavam os Whigs, mas, com os Federalistas, produto da separação entre diversos ramos institucionais que se controlam mutuamente e produzem, por suas interações, o senso deliberativo da comunidade (p. 447-448). No fim, essa engenharia, reproduzida na Constituição, possibilitou a instituição de uma república mesmo sem um povo virtuoso (p. 517). É a chave para uma compreensão elitista da democracia norte-americana, sem ter que avalizar a análise econômica de Beard (um grupo de proprietários preocupados em assegurar os seus direitos contra os não proprietários).

Não podemos, entretanto, dizer que o constitucionalismo norte-americano tenha sido apenas resultado do pensamento Whig, traduzido e aperfeiçoado pelos Federalistas, pois teremos que considerar a tradição e o ethos puritanos como um um de seus ingredientes mais importantes. É claro também que a luta da elite branca e proprietária por manter-se no poder, no melhor estilo beardiano, forneceu seu tempero à tese lockeana dos direitos naturais para iluminar os colonos e depois os constituintes na construção do país. Os fundamentos da "Constituição republicana" dos Estados Unidos são, assim, a somatória dessas ideias e movimentos, opostos e convergentes, ao mesmo tempo, plurais em resumo. É difícil destacar quem possa ter contribuído mais. A não ser pelo filtro da ideologia.

Bibliografia





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