MUNDO DA VIDA (MV) - é a experiência pré-teórica, o pano de fundo de nossa compreensão. Em Habermas, ele é mais amplo do que a concepção de Husserl, Durkheim, Parsons e Mead (p. 29 et seq; p. 3 et seq). Como se sabe, Husserl, como Schütz, reduzia-o ao plano cultural, enquanto Parsons, como Durkheim antes dele, continha-o na integração social e Charles Mead nos processos de socialização do indivíduo. Para Habermas, o MV é composto pela cultura, pela sociedade e pela personalidade. A cultura gera o conhecimento necessário ao entendimento entre as pessoas. A sociedade cria um sistema de valores e normas que regulam o pertencimento dos indivíduos à sociedade e permitem vínculos de solidariedade. A personalidade fornece elementos de identidade e autenticidade dos indivíduos (p. 67 et seq).
REPRODUÇÃO DO MUNDO DA VIDA - na pré-modernidade era garantida pela tradição, baseada na autoridade. Na modernidade, a reprodução é assegurada pela procura de consenso (formulação de pretensões de validade racionais e criticáveis) nos vários domínios - cultural, da interação social e da formação da personalidade (p. 208, 345). A racionalização na modernidade não ocorre apenas na reificação (coisificação da vida) e nas relações econômicas, mas naqueles três domínios: a) na cultura, que reproduz o saber com a compreensão mútua, possibilitidada pela reflexão crítica; b) na sociedade, mediante a universalização de valores e normas, que incorporam a visão e o interesse de todos, promovendo os vínculos socias; e c) na personalidade, viabilizada pela autorregulação das individualidades que são socialmente constituídas (p. 67-68).
DUALISMO DO MUNDO DA VIDA E DO SISTEMA - diferentemente da visão marxista, para Habermas, há a reprodução simbólica, abstraída de seus determinantes materiais. Os meios de integração "poder"(coordenado das relações de mando) e "dinheiro" (coordenador do âmbito de produção e de distribuição de bens e serviços), relacionados a tais determinantes, não são suficientes para dar cabo da complexidade social, pois há conflitos gerados por outras fontes (culturais, sociais e de personalidade), "por questões de gramáticas de formas de vida" (p. 392).
MUNDO DA VIDA E AGIR COMUNICATIVO - o MV vale-se do agir comunicativo (ação com vistas ao consenso) para se reproduzir simbolicamente. Por sua vez, o agir comunicativo recorre ao MV para desenvolver-se. Entretanto, a ação comunicativa amplia as fronteiras do MV, universalizando seus contextos, por meio de crescente reflexão (p. 208, 299-300). Essa interrelação entre MV e agir comunicativo fornece a base para transformação da sociedade. A compreensão discursiva do procedimento decisório no âmbito da política e do direito possibilita o progresso das instituições bem como a constitucionalização de direitos.
CRÍTICA DE HABERMAS A WEBER - são basicamente de três ordens: a) a razão moderna perdeu a sua unidade substancial e o sistema de valores se multiplicou (ciência e técnica, direito e moral, arte e literatura), gerando um conflito constante entre eles. Para Habermas, uma argumentação formal, baseada em pretensões de validade universalizáveis, promoveria a unidade da razão em meio à pluralidade de valores; b) Weber reduziu "práxis" à produção de meios orientados por fins, uma práxis teleológica. Não se teria percebido das diferenças existentes entre os as transmissões culturais de conteúdos particulares e as medidas universais de valor, definidas por elementos cognitivos, normativos e expressivos da cultura; c) Weber reduziu a legitimidade jurídica à sua legalidade. Redução pobre, segundo Habermas. A validade de normas jurídicas precisa passar por um teste discursivo ou de fundamentação. A juridicização era um modo de burocratização da sociedade e de perda de liberdade, na leitura de Weber. O direito positivo moderno não se baseia em decisões não fundamentadas. O processo democrático e legislativo, baseado aproximadamente nas exigências das pretensões de validade discursiva, confere a "legitimidade da legalidade" (p. 261 et seq; 315-316): .
CRÍTICA DE NEGRI E HARDT A HABERMAS - o MV não é suficiente para englobar os efeitos do mundo globalizado e da força homogeinizante do "Império". O império é uma nova manifestação da soberania como um poder associado a uma única lógica de globalização, instrumentalizado por organismos nacionais e supranacionais. Diferente do velho imperialismo, o Império é descentrado e desterritorializado. Não há um centro de poder ou um território específico de ondem partem as ordens de colonização. Não quer dizer que não existam territórios dominantes e dominados, mas não é possível estabelecer marcos muito precisos além dessa afirmação geral. Porque há dominados no território dominante e há dominantes no território dominado. Tudo isso se sobrepõe (se soma) às ordens modernas e hierárquicas interestatais. A solução seria a força, a violência e a "multitude", elevada à "nova força vital das massas" (p. 376). A multitude ainda está pulverizada em "microconflitos" (movimentos sociais locais), mas um dia será uma massa autônoma de produtividades inteligentes. Apenas o poder constituinte da multitude funda uma ordem constitucional material do mundo. O caráter democrático da "constituição mundial" é derivado da atuação dos sujeitos políticos e não de um sistema de direitos fundamentais. Não são as instituições ou a institucionalização que levam à emancipação mas um "acontecimento" que interrompa a linearidade histórica
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