segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Contribuição para a ponderação de direitos fundamentais

Direito Constitucional Comparado
Prof. José Adércio Leite Sampaio
Aluno: Wagner Junqueira Prado

1. Introdução

Segundo BARZOTTO, direitos humanos “são os direitos subjetivos que cabem a todo ser humano em virtude de sua humanidade”1. As constituições modernas costumam consagrar em seus textos inúmeros direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988 seguiu esse padrão.
SAMPAIO2 aponta, entre outras, as seguintes características funcionais dos direitos (humanos) fundamentais:
a) Desempenham um papel central de legitimidade da ordem constitucional, e embora constituam a estrutura orgânica e funcional do sistema, não podem ser considerados um “conjunto fechado” de valores;
b) Limitam o poder estatal ou demandam uma política estatal de intervenção;
c) Têm base antropocêntrica, ainda que não necessariamente individualista;
d) Apresentam um conteúdo aberto à ampliação e projetado para o futuro;
e) Não admitem retrocessos, revelando-se como um marco de evolução intangível;
f) Projetam-se não apenas nas relações entre os cidadãos e os poderes públicos, mas também na relação entre particulares;
g) São fatores decisivos de integração social, pontos de partida nos processos políticos, econômicos e culturais de uma comunidade.
No presente trabalho, pretende-se fornecer alguns elementos para a formulação de uma teoria da ponderação dos direitos fundamentais em conflito.
2. Classificação dos direitos fundamentais
Costuma-se classificar os direitos fundamentais nos seguintes grupos1:
a) Direitos de primeira geração – historicamente foram os primeiros a surgir. Abrange os direitos civis oponíveis ao Estado, proibindo-o de invadir a esfera individual juridicamente garantida, seja uma liberdade positiva (poder de realizar o conteúdo do direito), seja uma liberdade negativa (poder de evitar a interferência dos poderes públicos), e os direitos políticos. Ex.: liberdade pessoal, liberdade de religião, liberdade de associação, liberdade de reunião, liberdade de imprensa, direito de propriedade, sufrágio universal;
b) Direitos de segunda geração – abrangem os direitos econômicos, sociais e culturais. São direitos que obrigam uma prestação estatal, reforçando o princípio da igualdade. Ex.: saúde, educação, segurança pública, moradia, trabalho, assistência social;
c) Direitos de terceira geração – são direitos de fraternidade ou solidariedade. Ex.: autodeterminação dos povos, paz, meio ambiente.
Segundo FERREIRA FILHO2, a Constituição Federal de 1988 consagrou os direitos de primeira e segunda geração, e um único direito de terceira geração: o direito ao meio ambiente. Ele ressalta, todavia, que em todas as Constituições brasileiras desde 1891 a enumeração dos direitos fundamentais é meramente exemplificativa. SAMPAIO3 também ressalta a lista aberta dos direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988.
Realmente, a Constituição em vigor, em seu art. 5º, § 2º, estipula que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados...”
Apesar dessa cláusula aberta para o reconhecimento de outros direitos fundamentais não enumerados na Lei Maior, SAMPAIO observa que “a nossa Constituição detalhou como poucas a lista de direitos fundamentais, deixando ao intérprete menos o trabalho de buscar direitos não escritos, e mais a tarefa de identificar, dentre os direitos enunciados, aqueles dotados de fundamentalidade e de imediata fruição, e outros, menos direito e mais tarefa ou programa estatal”4.
3. Direitos fundamentais colidentes
Em diversas situações, pode haver colidência entre direitos fundamentais. Um exemplo muito comum é a liberdade de imprensa (garantida pelo art. 5º, incisos IX e XIV, da Constituição Federal) sendo confrontada com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (igualmente prevista como direito fundamental no art. 5º, inciso X). Garantir a liberdade de imprensa significa, na hipótese, infirmar o direito à intimidade e à vida privada das pessoas que serão expostas com a divulgação da notícia. Da mesma forma, ao garantir a intimidade a vida privada dessas pessoas, a liberdade de imprensa estaria sendo visivelmente cerceada. Numa situação como essa, indaga-se qual dos direitos fundamentais deve prevalecer.
Justamente por isso, SAMPAIO afirma que “não se pode falar em direitos fundamentais ilimitados ou absolutos, pelo menos, de direitos fundamentais definitivos”5. Todavia, se é preciso reconhecer que os direitos fundamentais possuem limitações, que são decorrência da incidência de outros direitos fundamentais (e de sua regulamentação), também é preciso elaborar uma teoria racional dessas limitações, até para garantir efetividade a esses direitos.
4. Em busca de uma solução para a ponderação de direitos fundamentais colidentes
Verificada a necessidade de estabelecer uma fórmula racional interpretativa que possibilite encontrar, entre os direitos fundamentais colidentes, aquele que se reveste de maior hierarquia em cada hipótese, é preciso elaborar uma teoria da ponderação dos direitos fundamentais a ser aplicada em casos de conflito, ou uma teoria a respeito da hierarquia dos direitos fundamentais.
Para tanto, e com a intenção de fornecer bases objetivas e racionais para uma decisão, SAMPAIO6 aponta as seguintes orientações:
a) O princípio da unidade da Constituição, que impõe uma harmonia entre os seus diversos dispositivos;
b) O princípio do idêntico valor constitucional de seus preceitos, a menos que a própria Constituição estabeleça uma hierarquia;
c) A exclusão dos valores e bens previstos na legislação infraconstitucional, quando estiverem em conflito com algum direito previsto constitucionalmente;
d) O entendimento de que as normas dos direitos fundamentais são, a princípio, definidoras de direitos sem reservas;
e) Os direitos fundamentais não servem para eximir o cumprimento de um dever ou obrigação previsto constitucionalmente;
f) In dubio pro libertate.
Quando fala de unidade da Constituição, visivelmente SAMPAIO procura exigir da interpretação constitucional uma coerência, e propõe que uma visão holística, que reflita o conjunto dos dispositivos, é melhor do que procurar a mera interpretação de um ou de alguns dispositivos pinçados do todo. Esse, sem dúvida, é um caminho importante a ser seguido em qualquer interpretação, mas principalmente na interpretação constitucional, ainda que em relação aos direitos fundamentais.
Leia na íntegra

Um comentário:

  1. Hoje, ao ler a postagem do colega Wagner Junqueira, fui mais uma vez colocado diante de um dilema: como combater a tese da colisão de princípios sem, simplesmente, cair em uma repetição dogmática pautada na teoria do discurso, ou mais especificamente, na leitura de Habermas acerca da teoria da ponderação de Robert Alexy? É o que persigo adiante...
    Penso que direitos não colidem, nem abstratamente, nem in concreto. A coerência sistêmica e a compreensão holística da Constituição, agregadas à visão de que ela é texto, e como texto, apresenta sua normatividade a partir da (e com a) interpretação, são intelecções hermenêuticas que, penso eu, contribuem para o que estou a repetir: direitos não colidem. Não há como advogar a existência de Direitos fundamentais apartados uns dos outros. A concepção de que eles existam em si mesmos, e independentemente dos demais, é uma tendência comum no Brasil e que precisa ser abandonada. Só para ficar em alguns exemplos, penso que não há como defender a existência de um Direito à vida sem levar em conta o Direito à saúde. Assim também, não há como falar em Direito à saúde sem levar em conta o Direito ao lazer. Isso sem mencionar a realidade de que tanto o Direito ao trabalho quanto o Direito à participação, seja ela direta ou indireta, subentendem o Direito à vida e à saúde, por exemplo. Da mesma forma que todos esses Direitos estão intimamente ligados ao Direito ao meio ambiente.
    Na postagem em análise, o autor mencionou, como exemplo da colisão de princípios, o caso de um pretenso conflito, in concreto, entre o Direto à liberdade de imprensa (garantida pelo art. 5º, incisos IX e XIV, da Constituição Federal) e os Direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Seria essa uma prova cabal que estraçalharia de uma vez por todas a tese que estou a defender? Penso que não! Isso porque, absolutamente, sou da opinião de que estamos subvertendo o real problema. E o real problema seria, ao meu sentir, o seguinte: qual é a dimensão de conteúdo do Direito à liberdade de imprensa, tendo em vista as especificidades do caso concreto. Talvez a sutileza da diferença seja grande (e penso que realmente ela seja). Mas o problema é definir, in concreto, o suporte fático do Direito à liberdade de imprensa, sem, no entanto, recorrer a uma colisão entre princípios/diretos. Isso porque, como já justifiquei, os Direitos são interligados de tal forma que advogar uma colisão entre eles seria o mesmo que defender a falta de harmonia da Constituição. Mas por certo alguém dirá: a Constituição é texto. E eu concordarei: sim, é texto aberto à interpretação, e interpretação que deve se pautar em uma visão holística da Constituição, tendo em vista a sua coerência sistêmica e a sua integridade. Definir o suporte fático de um Direito Fundamental, ao contrário do que defende, por exemplo, Virgílio Afonso da Silva, não é tarefa que subentende uma ponderação/sopesamento de princípios. Ela subentende, em verdade, uma visão holística da Constituição, bem como a ciência de que o texto aponta sim, sentidos para sua interpretação, a despeito de que esses apontamentos sejam fluidos. Dizer isso é concordar com Müller no sentido de que o suporte fático é restrito, e não amplo. Daí que, no caso, é possível dizer que o Direito à liberdade de imprensa não colide, no caso, com os demais Direitos Fundamentais descritos pelo autor da postagem. Isso porque o Direito de Liberdade de Imprensa, in concreto, não possui um conteúdo tal que o permita entra em conflito com outros Direitos. Portanto, o problema real consiste em definir a dimensão de conteúdo desse Direito, o que, necessariamente, deverá levar em conta todo o ordenamento jurídico, bem como as decisões acerca do tema já existentes, além das especificidades de cada caso. Só a partir daí será possível extrair o suporte fático do Direito à liberdade de imprensa. Mas isso não subentende um sopesamento/colisão de princípios.

    Bernardo Duarte

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