quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Pode o juiz arquivar de ofício inquérito penal?


EMENTA: AÇÃO PENAL PÚBLICA. MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL OUTORGADO AO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, I). FORMAÇÃO DA “OPINIO DELICTI” NAS AÇÕES PENAIS PÚBLICAS: JUÍZO PRIVATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DE PEÇAS INFORMATIVAS POR DELIBERAÇÃO JUDICIAL “EX OFFICIO”. NECESSIDADE, PARA TANTO, DE PROVOCAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES.

- Inviável, em nosso sistema normativo, o arquivamento, “ex officio”, por iniciativa do Poder Judiciário, de peças informativas e/ou de inquéritos policiais, pois, tratando-se de delitos perseguíveis mediante ação penal pública, a proposta de arquivamento só pode emanar, legítima e exclusivamente, do próprio Ministério Público.

- Essa prerrogativa do “Parquet”, contudo, não impede que o magistrado, se eventualmente vislumbrar ausente a tipicidade penal dos fatos investigados, reconheça caracterizada situação de injusto constrangimento, tornando-se conseqüentemente lícita a concessão, “ex officio”, de ordem de “habeas corpus” em favor daquele submetido a ilegal coação por parte do Estado (CPP, art. 654, § 2º).

Ver transcrição no Info 653

Pega e homicídio doloso

O condutor de um veículo que, na prática de um racha, abalroa e mata transeunte comete homicídio doloso ou culposo?

Doloso (dolo eventual). Segundo as duas turmas do STF (1ª Turma. HC 71800/RS; 2ª. Turma. HC91159/MG; 105067/SP)


Não haveria a adoção (incabível) da responsabilidade penal objetiva? Para o Tribunal, não. Como resumiu o julgado da 2a. Turma no HC 101698/RJ: "A diferença entre o dolo eventual e a culpa consciente encontra-se no elemento volitivo que, ante a impossibilidade de penetrar-se na psique do agente, exige a observação de todas as circunstâncias objetivas do caso concreto, sendo certo que, em ambas as situações, ocorre a representação do resultado pelo agente. 15. Deveras, tratando-se de culpa consciente, o agente pratica o fato ciente de que o resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Doutrina de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117); Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173 – grifo adicionado) e Zaffaroni e Pierangelli (Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo: RT, 2011, pp. 434-435 – grifos adicionados)". 


No caso do racha (ou pega):

"A conclusão externada (...) no sentido de que o paciente participava de “pega” ou “racha”, empregando alta velocidade, momento em que veio a colher a vítima em motocicleta, impõe reconhecer a presença do elemento volitivo, vale dizer, do dolo eventual no caso concreto".

Compare com o homicídio decorrente de abalroamento por condutor embriagado: veja aqui 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Duas sentenças e um mesmo fato


É corrente que em direito penal prevalece o princípio do non bis in idem. Agora imagine que, por falha, haja duas denúncias pelo mesmo fato e, pior, duas sentenças condenatórias. Qual delas deve prevalecer? A primeira, a última ou a mais branda (em virtude do in dubio pro reo)?  A primeira, certamente, em decorrência dos efeitos da litispendência. Entendimento acolhido pela Primeira Turma do STF: "Os institutos da litispendência e da coisa julgada direcionam à insubsistência do segundo psso e da segunda sentença proferida, sendo imprópria a prevalência do que seja mais favorável ao acusado." No HC 101131/DF.

Titularidade dos direitos fundamentais por estrangeiro


Mesmo o estrangeiro não residente no País é titular dos direitos fundamentais. A tese é antiga no STF e foi reafirmada nos HCs n. 97147/MT e 94447/PR (2a. Turma). Neste último caso, admitiu-se a sub
stituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na vigência da Lei 6.368/76, a estrangeiro não residente no país, desde que cumpridos os requisitos do art. 44 do Código Penal. No primeiro, a progressão do regime prisional.

Lei Maria da Penha e igualdade de gênero

Como já entendera no HC 106212/MS, o STF  julgou constitucional a Lei Maria da Penha na ADC 19/DF. Foram decisivos os argumentos:

- a igualdade admite e exige diferenciação de tratamentos jurídicos, especialmente para proteger pessoas ou grupos em situação de risco ou de opressão, os "hipossuficientes". Haveria, assim, "microssistemas normativos"  que dariam disciplina própria a certas relações sociais por revelarem aquelas características;

- argumento instrumental ou de proporcionalidade:  ao criar mecanismos específicos para prevenir e punir a violência doméstica contra a mulher e estabelecer medidas especiais de proteção, assistência e punição, tomando como base o gênero da vítima, o legislador se utilizara de meio adequado e necessário para promover o fim traçado pelo artigo constitucional 226, § 8º. Não seria, portanto, desproporcional o uso do sexo como critério de diferenciação no caso, considerando-se que, com base em dados estatísticos e históricos, a mulher seria eminentemente vulnerável a constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado. A lei seria corolário do princípio da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais, visando assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à justiça;

- atendimento a comandos internacionais ratificados pelo País, notadamente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e com a Convenção de Belém do Pará.


Outro ponto importante discutido na Lei. Não havia menção quanto à natureza da ação penal pública condicionada nos crimes de lesão corporal. O PGR havia pedido interpretação conforme para que fosse considerada a natureza pública incondicionada. O Senado havia arguido que, neste ponto, a ação não deveria ser conhecida por impugnar inconstitucionalidade reflexa. O Tribunal refutou a preliminar: a Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, cabendo ao STF definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação. Salientou-se a evocação do princípio explícito da dignidade humana, bem como do art. 226, § 8º, da CF. Frisou-se a grande repercussão do questionamento, no sentido de definir se haveria mecanismos capazes de inibir e coibir a violência no âmbito das relações familiares, no que a atuação estatal submeter-se-ia à vontade da vítima.


E, no mérito, deu provimento ao pedido do MP: 


O dever do Estado de assegurar a assistência à família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal a critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela, depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência especificamente designada com essa finalidade, fazendo-o antes de recebida a denúncia. Dessumiu-se que deixar a mulher — autora da representação — decidir sobre o início da persecução penal significaria desconsiderar a assimetria de poder decorrente de relações histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogar o quadro de violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implicaria relevar os graves impactos emocionais impostos à vítima, impedindo-a de romper com o estado de submissão. Inf 654

Competência disciplinar originária do CNJ

Como é de todos sabido, o STF reconheceu competência disciplinar originária do CNJ e, por extensão, ao CNMP. Ao invés de competência supletiva às corregedorias locais, detém competência concorrente. Não quer isso dizer que sempre atuará assim, continuando a aplicar a subsidiariedade até pelas dificuldades práticas da instituição. Julgou-se ainda que os processos disciplinares contra juízes devem ser públicos, reconhecendo-se a não recepção do art. 54 da LOMAN. ADI-MC 4138/DF

Escuta telefônica e prerrogativa de foro

Autoridade com prerrogativa de foro pode ter escuta telefônica, determinada por juiz incompetente em virtude dessa garantia, usada como prova contra si?


Sim, em se tratando de descoberta casual. Se não era a autoridade diretamente investigada, mas, em degravações, apareceu como interlocutora praticando suposto ilícito, as informações podem ser usadas em procedimentos administrativos e, por extensão, penais. STF. Pleno.MS 28003/DF