quinta-feira, 8 de julho de 2010

Historia do constitucionalismo: programa

I. Noções gerais

- Império romano do ocidente
- Império bizantino
- Cesaropapismo
- Império carolíngeo
- Sacro Império Romano Germânico
- Escolástica
- O individualismo na história das ideias na Idade Média
- O contratualismo Atualidade
- Soberania
- Constitucionalismo

II. Agostinismo político
- O agostinismo (em francês)
- Do agostinismo para o tomismo (francês)
- Pensamento político orientado
III. Aristotelismo político
- Aristotelismo x agostinismo
- Pensamento político de Aristóteles
- Aristotelismo político en la político en la Europa Medieval y Moderna
- Aristóteles. The constitution of Athens.

IV. Pensamento jurídico-político
- Jurisprudência na formação do pensamento político medieval

V. Skinner, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. S. Paulo: Companhia das Letras

VI. Complemento ao aristotelismo político na Idade Média
- Tomás de Aquino
Escritos Políticos
Pensamento político orientado
Pensamento político de Aquino 1
Pensamento político de Aquino 2
- John of Paris (1255 –1306)
John of Paris, On Royal and Papal Power
Crise da Monarquia papal
- Marsílio de Pádua (1280-1343)
Defensor Pacis, 1324 (geral)
Defensor Pacis, 1324 (conclusão)
Defensor Pacis, 1324 (conclusão 2)

- Guilherme de Occam
Arcaya, Oscar. Guilherme da Occam (geral)
Pensamento político orientado
O papado avinhonense e os poderes civis: as décadas de 30 e de 40 do século XIV a partir de três obras de Guilherme de Ockham
Guillermo de ockham. Un pensador político moderno en el mundo medieval.
El Ultimo Medieval
Ontological reductionism and faith versus reason: a critique of Adams on Ockham.
Dante
- De Monarchia
- Imperio y nación en la Monarchia de Dante Stanford
Nicolau de Cusa
- Stanford
VII. Escola de Salamanca
- El Pensamiento Juridico De La Escuela De Salamanca, Concreción De La Ley Natural En La Configuración De La Cultura
- Raízes teológicas dos direitos subjetivos modernos
VIII. Pensamento Renascentista
- El pensamiento político moderno: del humanismo a la ilustración
- Aristotelismo na Renascença
- Do Humanismo Ridículo: A Crítica da Perfectibilidade Humana Em Pascal E Lutero
- Pensamento político renascentista (francês)
- Lorenzo Valla (c. 1406–1457)
- Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494)
- Erasmo de Roterdã (1467?–1536)
- Juan Luis Vives (1493–1540)
- Montaigne (1533-1592)
- Justus Lipsius (Joost Lips) (1547–1606)
- Tommaso Campanella (1568-1639)
- Maquiavel Pensamento político Concepção de estado Comparação com Marsílio de Pádua
- Republicanismo
- Humanismo cívico
IX. Pensamento reformista
- Lutero
X. Pensamento Moderno
- Hugo Grotius (1583-1645)
- Thomas Hobbes (1588-1667) Stanford Pensamento moral
- John Locke (1632-1704) Stanford
- Espinosa (1632-1677)
- Montesquieu (1689-1755) O Espírito das Leis (Livro XI, I-VI)
- Jean-Jacques Rousseau (1712-1718) Bibliografia e teoria Do Contrato Social Discourse on the Origin of Inequality (em português) Organic Constitutionalism: Rousseau, Hegel and the Constitution of Society
- David Hume (1711-1776) Of the Original Contract (em espanhol) Almeida
- O contratualismo e seus críticos (I) (II)
- Constant

XI. McIlwain: Constitutionalism: Ancient and Modern


CHAPTER II The Ancient Conception of a Constitution PAGE 23
CHAPTER III The Constitutionalism of Rome and Its Influence PAGE 41
CHAPTER IV Constitutionalism in the Middle Ages PAGE 67
CHAPTER V The Transition from Medieval to Modern PAGE 93

The Ancient Constitution in the Old World and the New (história inglesa e americana)


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Textos de livros
- Platão. República.
- Platão. Leis.
- Platão. Outros diálogos
- P. Tacitus. Obra completa.
- Maquiavel. Obras completas
- Grotius. Traité du Pouvoir du Magistrat Politique sur les choses sacrées
- Thomasius. Essays on Church, State, and Politics.
- Hobbes. Leviathan.
- E. de la Boétie. The Discourse of Voluntary Servitude [1576].
- Espinosa. Tractatus (I) e (II) Obras completas
- Pufendorf. Of the Nature and Qualification of Religion, in Reference to Civil Society
- Harrington. The Oceana.
- Locke. Second Treatise of Government.
- Humbolt. The Sphere and Duties of Government (The Limits of State Action) (1854 ed.)
- Kant. Kant’s Principles of Politics, including his essay on Perpetual Peace. A Contribution to Political Science.
- Kant. The Philosophy of Law: An Exposition of the Fundamental Principles of Jurisprudence as the Science of Right.
- J. Bentham. Obra completa.
- J.S.Mill. On Liberty.
- J.S.Mill. Considerations on Representative Government.
- J.S.Mill. Subjection of Woman.
- Sumner Maine. Popular Government (LF ed.).
- Laski. Political Thought in England from Locke to Bentham
- Robespierre. Projet de la constitution française de 1791
- Farrand. The Fathers of the Constitution; a chronicle of the establishment of the Union
- John Milton. Areopagitica.
- Voltaire. Obra completa
- Constant. The Liberty of Ancients Compared with that of Moderns.
- Tocqueville. Democracia na América
- Burke. A Vindication of Natural Society.
- Emerson. Obra completa.
- T. Jefferson. Obra completa.
- Hamilton. Obra completa.
- J. Madison. Obra completa
- T. Paine. Obra completa
- W. Bagehot. Obra completa.
- Calhoun. Union and Liberty: The Political Philosophy of John C. Calhoun.
- Dicey. Lectures.
- Outros.
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Fontes medievais
Project Gutenberg

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Jack Tsen-Ta Lee # Interpreting bills of rights: The value of a comparative approach

Prof. José Adércio Leite Sampaio
Aluno:


INTERPRETANDO OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: O VALOR DE UMA ABORDAGEM COMPARATIVA


(Interpreting bills of rights: The value of a comparative approach)


Jack Tsen-Ta Lee

School of Law Singapore Management University


International Journal of Constitutional Law, Vol 5, pp. 122-152, 2007


Returning to the quotation by von Jhering at the beginning of this article and extending the analogy: imagine the judge who seeks a cure for a constitutional ailment. To increase the chances of finding the right treatment for the patient, the sensible herbalist will gather a selection of herbs from a variety of locations. It is only prudent to scrutinize all plants to determine whether or not there are any noxious weeds among them. However, once he has ascertained that a plant can indeed provide an efficacious cure, he would be foolish to reject it to his patient´s detriment merely because it was not found in his own garden.”



QUESTÕES APRESENTADAS


1. A prática de consulta a material legal estrangeiro na interpretação comparativa de direitos fundamentais nacionais (domésticos) tem sido criticada como ilegítima.


2. O texto enfoca quatro preocupações:


    1. OS TEXTOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM CADA PAÍS


2.1.1. O argumento de que os direitos fundamentais devem ser interpretados dentro de suas “quatro paredes” e não à luz de analogias desenhadas por outras jurisdições).


    1. IDENTIDADE NACIONAL


2.2.1. O argumento de que os direitos fundamentais carregam valores específicos do povo de uma nação e de que é errado ter como referência experiências estrangeiras para determinar esses valores.


    1. Condições nacionais (domésticas) diferentes


2.3.1. O argumento de que materiais legais (jurídicos) de comparação não refletem a economia, a política e a sociedade locais, ou outras condições que, por sua vez, se diferenciam daquelas observadas em outras jurisdições (nações).


    1. Algumas preocupações práticas.


Conclusão: O artigo conclui que, apesar de todas as preocupações, observam-se fortes justificativas para os tribunais nacionais adotarem abordagens comparativas na interpretação dos direitos fundamentais, eis que esse tipo de abordagem traz benefícios substanciais para o país.


PREÂMBULO


  • Apesar de parecer uma prática comum, dentro do sistema da common law, o uso de entendimentos legais provenientes de países estrangeiros em julgamentos nacionais, tal prática é vista com ceticismo por diversos países, dentre eles, os Estados Unidos, a Malasya e Syngapura. Nos EUA alguns acreditam que a adoção do entendimento estrangeiro sobre determinadas questões legais acabaria por minar a longa tradição americana em dar supremacia à legislação nacional.


  • O ceticismo de algumas nações parece não ser justificado, na medida em que a adoção de leis e interpretações legais estrangeiras podem auxiliar os tribunais domésticos de forma efetiva.


  • Ao examinar e comparar o arcabouço legal estrangeiro, como a jurisprudência, a legislação e artigos acadêmicos, um tribunal nacional pode, por exemplo, melhor interpretar o texto de um direito fundamental na sua própria jurisdição, especialmente quando um determinado evento, que dependa de interpretação do texto de um direito fundamental, não tenha ocorrido no território nacional, mas já tenha ocorrido no estrangeiro. Esse arcabouço legal ainda pode ser utilizado para supedanear ou vergastar o acórdão de um tribunal nacional e ser adaptado à realidade do país, com as modificações necessárias. Ou seja, o são várias as possibilidades de uso produtivo do arcabouço legal estrangeiro.


  • O artigo examina quais são as razões que sustentam a crítica de ser ilegítimo o uso do arcabouço legal estrangeiro, quando em comparação com o sistema jurídico nacional.


  • Primeiramente, é feita uma análise se existe justificativa para um tribunal recusar o uso do texto dos direitos fundamentais de país estrangeiro, quando não houver coincidência textual entre os países comparados (estrangeiro e nacional). Esta primeira análise enfoca as repúblicas da Singapura e da Malasya, que adotam a doutrina das “quatro paredes”.


  • No que diz respeito aos Estados Unidos, a principal preocupação está em se usar o arcabouço legal estrangeiro na interpretação dos direitos fundamentais, quando tais direitos refletem a identidade e os valores de uma nação. Assim, entender-se-ia como inapropriado olhar para a experiência de outros países, cujos valores sociais são diferentes.



PREOCUPAÇÕES BASEADAS NO TEXTO – A DOUTRINA DAS “QUATRO PAREDES”


  • A doutrina das “quatro paredes” é adotada na Malasya e em Singapura. Esta doutrina foi preconizada pelo Juiz “Chefe” (Chief Justice), James Thomson, quando do processo de independência da Malasya, que em pronunciamento declarou que a constituição (na época, ainda, Constituição da Malaya), deveria ser interpretada, principalmente, dentro de suas “quatro paredes” e não com base em analogias pautadas no entendimento jurídico de outros países, como a Gran Bretanha, os Estados Unidos ou a Austrália”.

  • O próprio James Thomson afirmou que sua declaração teve como base a decisão de um caso pela Suprema Corte da Nigéria. Na referida decisão, o Juiz Visconde de Radcliffe, declarou que o texto da Constituição Nacional não poderia ser suprimido em face de princípios estrangeiros, provenientes de outras Constituições, que não tenham sido adotados como parâmetro para a formulação da Constituição da Nigéria.


  • De fato, houve um equívoco interpretativo na criação da doutrina das “quatro paredes”, pois o que a decisão proferida pelo Visconde de Radcliffe dispunha era, simplesmente, que a legislação estrangeira (ou princípios) não poderiam prevalecer sobre a Constituição Nacional, mas isso não significava que a lei estrangeira deveria ser ignorada, como ocorre na doutrina das “quatro paredes”.


  • Em vários julgados, porém, os tribunais da Malasya e de Singapura invocaram a doutrina das “quatro paredes” para afastar a aplicação do texto da lei estrangeira que se refere aos direitos fundamentais. São duas as justificativas adotadas pelos referidos tribunais: a) Os textos das leis estrangeiras que dispõem sobre direitos fundamentais não são iguais aos textos nacionais; b) Não se aplica a legislação estrangeira, pois as condições (sociais, políticas, econômicas e etc.) são diferentes (vide julgamento pág. 8).


A APLICABILIDADE DA DOUTRINA DAS “QUATRO PAREDES”


  • A doutrina das quatro paredes não pode ser interpretada como um instrumento que visa abolir, completamente, o uso de material legal estrangeiro como parâmetro jurídico.


  • Trata-se, de fato, de uma regra cujo objetivo é assegurar que princípios legais estrangeiros sejam afastados se tais princípios não puderem ser validamente adequados aos textos dos direitos fundamentais locais.


  • Os próprios tribunais da Malasya e de Singapura, apesar de se apoiarem na doutrina das quatro paredes para afastar a aplicabilidade da legislação estrangeira a alguns casos, também utilizam dessa legislação como parâmetro interpretativo em outros casos.


  • O uso do arcabouço legal estrangeiro nos países que adotam a doutrina das “quatro paredes”, justifica-se em duas situações:


  1. Quando há identidade genealógica.

  2. Quando se puder fazer uma interpretação dialógica.


  • A IDENTIDADE GENEALÓGICA está baseada na noção de que a relação genealógica e histórica, que vinculam constituições de países diferentes, é justificativa suficiente para que a legislação estrangeira seja importada e utilizada em julgados locais. A título de exemplo, as liberdades fundamentais que estão presentes na Constituição de Singapura foram herdadas da Constituição da Malasya que, por sua vez, foi inspirada na Constituição Indiana. Ou seja, há uma identidade de raiz.


  • A identidade genealógica também revela que se um direito fundamental local foi inspirado em um direito fundamental estrangeiro, então o legislador deve ter pretendido indicar que a legislação estrangeira funcionaria como parâmetro de interpretação dos direitos fundamentais locais.


  • A INTERPRETAÇÃO DIALÓGICA funciona como instrumento para estimular o juiz a refletir sobre a legislação local, mas não pode ser usada de forma tendenciosa pelo juiz, simplesmente para fundamentar seu entendimento sem que, de fato, se mostre presente uma justificativa plausível. Ou seja, por meio da interpretação dialógica os Juízes usam a o Direito estrangeiro para supedanear suas decisões, mas não podem abandonar o contexto histórico em que se insere a entendimento estrangeiro. Se assim for, o juiz proferirá decisão autoritária, falsamente baseada em interpretação dialógica.


PREOCUPAÇÃO BASEADA NA IDENTIDADE NACIONAL


  • A preocupação em se utilizar material jurídico estrangeiro baseada na possibilidade de violação à identidade nacional tem como fundamento o conceito do “expressivismo” (expressivism).


  • O “expressivismo” carrega a idéia de que a Constituição auxilia na formação política e ideológica de um determinado povo. A Constituição oferece para os povos uma forma de se compreenderem como seres políticos. Isso ocorre pelo fato de se enxergar a Constituição como um compromisso que define a identidade nacional e isso é visto como uma forma de se EVITAR O USO DE MATERIAL JURÍDICO ESTRANGEIRO. Ou seja, pelo expressivismo, o “empréstimo” de material jurídico estrangeiro poderia violar ou enfraquecer a identidade nacional.


  • Em vários julgados nos EUA, se observa a preponderância do expressivismo. A título de exemplo, leia-se a decisão do Juiz SCALIA, ao analisar se jovens com menos de dezesseis anos poderiam ser sentenciados à pena de morte. Enquanto vários juízes da Suprema Corte Americana defenderam que a aplicação da pena de morte ofenderia um padrão mundial de decência, o Juiz SCALIA indicou que o direito estrangeiro não poderia ser usado como forma de estabelecer a crença do povo americano. (vide decisão fls. 17).


  • Em contraposição ao expressivismo, tem-se a “interpretação universalista”. Essa modalidade de interpretação dos Direitos Fundamentais se baseia na assertiva de que tais direitos compartilham de conceitos principiológicos universais. LORRAINE WINRIB identificou que após a segunda guerra mundial os países europeus passaram a compartilhar um entendimento comum sobre Direitos Fundamentais que transcendia, até mesmo, a cultura, a história, a herança específica de Estados-Nações. Tal entendimento comum estava baseada na crença universal de que era necessário se assegurar o poder cogente da lei; o governo democrático; e a proteção sobre a dignidade humana.


  • LORRAINE WINRIB defende que a constituição não pode ser interpretada com enfoque simplesmente no consenso nacional, mas à luz de conceitos sobre direitos fundamentais universais. Naturalmente, essa visão indica a necessidade de se utilizar material jurídico estrangeiro em interpretação comparada.


  • A Constituição Sul Africana, nos termos da seção 39, capítulo 2, faz clara referência à “interpretação universal”. “When interpreting Bill of Rights, a court, tribunal or fórum – a) must promote the values that underlie na open and dmocratic society based on human dignity, equality and freedom; b) must consider international law; and c) may consider foreign law.


  • Todavia, o melhor entendimento é o de que a “interpretação universalista” deve ser balanceada com o “expressivismo”. Isto é, os tribunais, ao interpretarem os direitos fundamentais, não podem se pautar somente no consenso interno do país, mas também não se pode fazer uma interpretação tão-abrangente, com uso de material jurídico estrangeiro, a ponto de contrariar o texto constitucional, uma vez que certas diferenças culturais e históricas podem se apresentar na própria lei que descreve o direito fundamental. A título de exemplo, o texto dos direitos fundamentais da Constituição sul africana proibitório de penas cruéis e não usuais foi interpretado de forma a se inadmitir a pena de morte, ao contrário da interpretação conferida pelos EUA sobre texto de lei semelhante, mas não idêntico.


PREOCUPAÇÃO BASEADA NAS DIFERENTES CONDIÇÕES NACIONAIS


  • Neste ponto o autor identifica que tal preocupação é válida. Apesar de a simples afirmação de que um país é diferente do outro não fundamentar o afastamento do uso de material comparativo, também não se pode garantir que os conceitos aplicados em um país vão ter o mesmo significado em outro país.


  • É necessário, portanto, que se faça uma distinção entre uso “transplantado” de material comparativo e uso em “fertilização cruzada” de material comparativo.


  • O “transplante” de material comparativo significa o uso indiscriminado de um determinado dispositivo legal estrangeiro em território nacional. Se as condições históricas, políticas e sociais entre os países comparados forem as mesmas, o “transplante” será efetivo e surtirá efeitos positivos. Mas isso ocorrerá, tão-somente, se as circunstâncias domésticas entre o país que “recebe” a legislação e o país que a “empresta” não forem incompatíveis.


  • A título de exemplo, a Corte Sul Africana ao analisar a seção 33 de sua Constituição (Makwanyane) entendeu que a pena de morte não seria admitida no país por se tratar de uma punição cruel, desumana e degradante. Ao analisar esta seção, por meio de técnicas de interpretação, a Corte Sul Africana buscou o entendimento dado pelas Cortes da Alemanha, do Canadá e pela Corte de Direitos Humanos da Europa sobre o mesmo. Todavia, em razão de algumas diferenças textuais, a Corte Sul Africana decidiu descartar os resultados interpretativos obtidos pela jurisdição estrangeira.


  • Apesar de a Constituição Sul Africana indicar em seu texto que o arcabouço legal estrangeiro deve ser considerado em julgamentos locais, a Corte entende que em se tratando de casos que envolvem questões de política moral e social, a lei estrangeira deve ser usada com mais efetividade, devendo, contudo, ser usada com maiores ressalvas, ou como maior discernimento, quando essa limitar direitos fundamentais sociais democráticos ou quando interferir intimamente em aspectos da vida privada.


  • Já o uso de material comparativo em “fertilização cruzada” significa a interpretação realizada de forma indireta, de maneira que a análise do material legal estrangeiro promova o desenvolvimento do país que “importa” esse material. Seria uma maneira de adequar conceitos estrangeiros à realidade local, estimulando aprimoramento da interpretação que é conferida aos conceitos de seus próprios direitos fundamentais. Neste sentido, o país que utiliza o material legal estrangeiro não se limitaria em copiá-lo, mas em adaptar conceitos universais, obedecendo aos parâmetros aceitos internamente.


  • Assim, cabe a Corte, ao interpretar uma norma estrangeira, definir quais são as condições que impedem que esta norma seja utilizada internamente. Noutro giro, a legislação estrangeira deve ser utilizada de forma a promover o desenvolvimento e a evolução de princípios legais dentro do ordenamento jurídico doméstico (interno).


PREOCUPAÇÕES PRÁTICAS


  • Duas correntes se digladiam quanto às preocupações práticas envolvendo o uso de material estrangeiro no julgamento de questões locais.


  • A primeira, defendida pelo Procurador Geral dos EUA, informa que o uso de material estrangeiro estaria vinculado a um problema de “seleção”. Ou seja, se o juiz não for capaz de analisar de forma compreensiva todas as fontes internacionais que tratam do tema objeto de julgamento, esse estaria sujeito a usar critérios tendenciosos para “selecionar” os entendimentos estrangeiros que melhor lhe conviessem, ou que melhor se adaptassem ao seu entendimento pessoal. Para que fosse possível uma comparação não arbitrária, o juiz teria que ser capaz de reunir todos os entendimentos estrangeiros sobre o tema e de compreendê-los de forma completa, o que seria uma tarefa praticamente inviável, mormente por se observar que nem sempre os textos podem ser traduzidos literalmente (ressalta-se o problema da tradução). Levando-se em consideração que existe uma multiplicidade de julgados defendendo diferentes posições sobre um mesmo assunto (algumas não provadas), na impossibilidade de se analisar e comparar todas as variedades, o juiz optaria, arbitrariamente, por aquela que corrobora seu entendimento, mesmo que o entendimento estrangeiro seja desprovido de validade. Nesta vereda, a decisão seria arbitrária, falsamente fundamentada em precedentes válidos.


  • A segunda posição, defendida pelo Juiz Jeremy Waldron, denominada IUS GENTIUM THEORY, sustenta que ao se decidir uma demanda com base em legislação ou entendimento estrangeiro, os juízes se referem a princípios legais que se estabeleceram universalmente como um tipo de consenso entre magistrados, juristas e operadores da lei no mundo. Tratando-se de direitos fundamentais, o texto da lei representa o que vários países compartilham em relação a respostas comuns para problemas comuns. Fazendo-se uma analogia às ciências médicas, seria um absurdo se diante de uma doença epidêmica em território americano os cientistas buscassem a cura estudando unicamente a ciência americana. Ao contrário, diante de uma epidemia, os cientistas fariam uma pesquisa mais ampla, dentro e fora do país, à procura de estratégias de combate e de conclusões que já tivessem sido testadas e validadas nas práticas de saúde pública.


  • Adicionalmente, segundo a IUS GENTIUM THEORY, não seria necessário buscar em todo tipo de legislação internacional a melhor interpretação para um determinado caso. Ao contrário, o Juíz deverá basear o seu entendimento em legislações de países cujos princípios norteadores dos direitos fundamentais sejam assemelhados aos princípios locais. Ou seja, tratando-se de análise comparativa e território americano, o arcabouço legal internacional deve se limitar àqueles provenientes de países “civilizados” e “amantes da liberdade” (freedom-loving).


  • Noutro giro, não há qualquer problema em juízes ou operadores do direito se utilizarem do discernimento e experiências próprios para escolherem a lei estrangeira que se apresenta como a mais útil em provar determinado ponto de vista interpretativo. A escolha, contudo, precisa se basear na similitude de valores, respeito pela democracia, preocupação pela supremacia da lei e proteção a direitos individuais, os quais devem ser igualmente observados nos países objeto da comparação. A IUS GENTIUM THEORY limita as legislações estrangeiras que os juízes devem considerar àquelas que refletem a harmonia de opinião entre nações com princípios semelhantes.


O VALOR DE UMA ABORDAGEM COMPARATIVA


  • Ao fim de sua análise, o autor propõe e destaca duas conclusões.


  • A primeira conclusão é a de que o juiz que encontrar um problema constitucional novo, na sua jurisdição, não está obrigado a resolver a demanda somente com base no entendimento jurídico interno de seu país, mas, referindo-se ao arcabouço legal estrangeiro, poderá se utilizar de valiosa interpretação conferida por outros países aos mesmos problemas e compreender como foi solucionada a questão. Neste ponto, se destaca que a doutrina das quatro paredes, apesar de não poder ser interpretada de forma inflexível, estabelece importante função de limitar uma aplicação descuidada e ilimitada da legislação e doutrina estrangeiras (“transplante”) sem que se examine, com esmero, se a legislação ou a doutrina, objeto da comparação, seguem os mesmos princípios que norteiam os direitos fundamentais locais.


    • A título de exemplo da parte final da primeira conclusão, cita, o autor, o caso sul africano de Mohamed x President of the Republic of South Africa. Neste caso, o réu (Mohamed) foi acusado de explodir uma bomba na embaixada americana localizada na cidade de Dar es Salaam, em agosto de 1998. Preso por oficiais sul africanos, que atuavam em conjunto com forças americanas, o réu foi transportado para ser julgado em território norte-americano por pena capital. Todavia, o réu invocou seu direito constitucional de ser protegido contra a pena de morte, tendo em vista que a jurisprudência sul africana proibia tal sanção por considerá-la contrária ao texto constitucional que vedava a aplicação de penas cruéis, desumanas ou degradantes. Como os EUA não haviam conferido ao Governo Sul Africano qualquer garantia de que não seria aplicada a pena de morte ao réu, a Corte sul africana, fazendo uma análise comparada com a jurisprudência estrangeira, entendeu que houve violação a direito fundamental do réu ao ser transportado para país no qual se admitia pena de morte. No caso, apesar de os EUA também vedarem a aplicação de penas cruéis, desumanas ou degradantes, é admitida a pena capital em certos Estados.


  • A segunda conclusão é a de que a abordagem comparativa certifica e garante que importantes decisões evolvendo liberdades fundamentais são tomadas com base em entendimentos jurídicos padronizados no país e no estrangeiro. Considera-se, neste caso, que disposições internas relativas a direitos fundamentais contemplam conceitos transcendentais, aceitos como princípios adotados universalmente.