Aluno:
Bruce Ackerman é professor de Direito e Ciencia Política em Yale, e autor de quinze livros, sobre filosofia política, direito constitucional e políticas públicas. Graduado pela Universidade de Harvard e LL.B por Yale.
Sujit Choundhry é professor da Universidade de Toronto, suas áreas de pesquisa são direito constitucional e teoria, direito da saúde e política. Tem diplomas de Oxford, Toronto e Harvard.
A. Introdução: Duas vozes de Ackerman
Grande estudioso do direito constitucional comparado, em seu livro de 1992 The Future of Liberal Revolution, faz um estudo sobre a possibilidade de implementação liberal-democrática nos países da antiga União Soviética, mesmo sendo infrutífera.
Em 1997 cunhou o termo “the rise of world constitucionalism”, efeito das constituições escritas e da revisão constitucional. Critica o sistema americano de rígido de tripartição de poderes em prol do parlamentarismo.
We the people, como a obra imaginativa da evolução constitucional americana e sua alteração substancial até os dias de hoje, é sua maior contribuição. Para ele, cada regime teria uma própria matriz de inter-relações e valores fundamentais. A dificuldade de fazer reformas escritas e a pouca participação popular tornam o país menos democrático.
Critica o provincianismo e a indiferença para com o que ocorre no resto do mundo. Deveriam parar de buscar o sentido de 1787 e começar a entender a sociedade e o mundo. Demonstra as diferenças entre a constituição Alemã, Britânica e Americana, todavia não faz uma real analise comparada.
O autor, Choudhry, cita o exemplo de Quebec, em que a vontade de secessão foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte, como uma falha constitucional e o julgamento seria um momento de feitura constitucional.
B. Understanding Constitutional Moments
1. Ackerman’s Higher Lawmaking System
Ackerman demonstra o “bicentennial myth”, fazendo uma comparação entre as mudanças ocorridas na Europa e as 5 repúblicas francesas com a aparente estabilidade da Constituição Americana. A estabilidade é aparente, pois em pelo menos três momentos houveram regimes diferentes sobre os auspícios da mesma Constituição: the Founding, the Reconstruction, and the New Deal.
The Founding foi um momento de presidencialismo fraco, que ocorreu nos primeiros anos da república, com pequena jurisdição e poucos direitos fundamentais. The Reconstruction foi marcada pelo início da Middle Republic, com os compromissos essências que incluíam cidadania nacional incluindo direitos iguais e direito à propriedade, restringindo os poderes Estatais e liderança do Congresso na gestão nacional. The New Deal foi um momento em que o estamento Constitucional expandiu os poderes nacionais para terem plena jurisdição sobre a regulação econômica, trouxe, assim, o fim da proteção agressiva dos direitos contratuais e de propriedade, dando maior poder a liderança presidencial no governo nacional.
Faz-se uma crítica, que apesar do artigo V da Constituição Americana discorrer sobre as formalidades de proposição de emendas, o mesmo não deixa claro e taxativo que estas são as únicas formas de emendar. Ainda, deixa margem para ilegalidades que após sua incorporação não são mais discutidas. Exemplos dessas ilegalidades são a própria Constituição, que em muitos artigos, nos quais deveria haver unanimidade foram impostos com os votos de apenas nove Estados; outro exemplo foi a 14ª Emenda, em que ao perceber-se que não seriam conseguidos os 2/3 dos votos do senado exigidos para a emenda, cada Estado do sul para ter direito ao seu acento deveria votar, demonstrando clara coerção, sendo “amendment-simulacrum”. Porém, para Ackerman o pior seriam as “transformative opinions” do New Deal, em que os sentidos constitucionais foram dilatados para garantir os ideais de regulação econômica, sem emendar os textos constitucionais, seriam “amendment-analogues”.
Então, as mudanças de regime são ilegais, ou nos termos da Commonwealth “revolutionary legality”, tendo em vista o não cumprimento dos requisitos escritos na própria constituição, pois o simples silêncio e, conseqüente, aceite da norma pelos atores não-legais não seriam suficientes para Ackerman, pois a legitimidade dos atos estaria minada1. Assim, a legitimidade seria a pedra basilar de Ackerman, sendo que qualquer regime nascido sem legitimidade seria ilegal.
Para tentar justificar a legitimidade do governo americano, Ackerman propõe uma terceira via, uma complexa fórmula chamada de “higher lawmaking”. Primeiro tem-se um movimento em prol da alteração, seguida de uma proposta, que segue uma mobilização deliberada, com uma série de sub-estágios: um impasse constitucional entre ramos do governo federal; um mandato eleitoral decisivo, que fixa no poder os proponentes da nova norma; um ataque não-convencional pelos proponentes; uma mudança no tempo que permite as instituições endossarem a mudança e; a eleição consolidante, em que o público ratifica os proponentes no poder. O último estágio é a codificação legal, em que a Suprema Corte começa a aplicar doutrinariamente a nova norma.
2. Higher Lawmaking: Fato histórico ou Ficção Legal?
Ackerman demonstra, empiricamente, que os atores políticos envolvidos nos momentos históricos estavam plenamente engajados e conscientes dos atos de criação legal, bem como existiu o sinal de credibilidade do povo americano.
A maior crítica é que não existe qualquer prova ou indício histórico das afirmações empíricas feitas por Ackerman. Outro ponto são as decisões judiciais citadas, em que faz interpretações completamente tendenciosas; nos julgados do New Deal faz um grande esforço para demonstrar que os julgados são continuações e que versam sobre as alterações constitucionais; nos julgados que tratam das mudanças constitucionais são possíveis muitas interpretações das decisões, tanto em favor quanto contra o argumento, sendo, até, possível entender que a corte endossou uma emenda claramente inconstitucional que deve ser validada.
3. Resgatando Ackerman: Reinterpretando os Momentos Constitucionais como Falhas Constitucionais
Para Choudhry, apesar do “higher lawmaking” ser inútil, a grande contribuição advém do fato de se colocar os momentos ilegais do regime constitucional em tela e não deixá-los se apagar, o que contribui também com o direito comparado, que auxilia na análise de porquê muitos atores políticos agem ilegalmente para realizar alterações constitucionais.
Ackerman tenta defender a idéia de que na Reconstruction, houve uma necessária inventividade, pois a luta social e racial que estava começando a ser travada foi perfeitamente contida pelas emendas constitucionais. Assim, as emendas têm um caráter de construção política de determinado momento, não sendo meros instrumentos de política, podendo ser esquecido o caráter formal quando as regras constitucionais se mostrarem ineficientes e ineficazes, que ele chama de “higher moments”.
D. Os momentos constitucionais migram? The Secession Reference
1. Os Momentos Constitucionais Reinterpretados: Um Exemplo Comparado
Choundhry utiliza o direito comparado, demonstrando que no caso da secessão de Quebec, a Suprema Corte Canadense lançou mão de elementos de extra-legalidade como pano de fundo para falhas constitucionais.
2. The Secession Reference como uma mudança Constitucional Extra-Legal
O governo federal do Canadá indagou três questões à Suprema Corte. A primeira pergunta era: se a província de Quebec poderia unilateralmente decretar sua independência? O entendimento seria de que a Constituição criou a província, as repartições federais e as leis, assim a secessão iria requerer uma série de Emendas para dar autonomia e independência à província. A discussão tornou-se rapidamente para a questão das Emendas constitucionais, contidas na Parte V2 do Constitution Act, 1982, que contém três formas para produzir emendas. Uma das formas permite a emenda unilateral, mas apenas nos quesitos meramente ligados a administração local, portanto não há a possibilidade de secessão unilateral.
A Corte por sua vez, evocou uma análise histórica e dos princípios que regeram a formação do Canadá desde 1867, que seriam: federalismo, democracia, constitucionalismo, regimento legal e respeito às minorias; com o argumento que “principles inform and sustain the constitutional text: they are the vital unstated assumptions upon which the text is based”. Com base nesses princípios, teceu o entendimento de que se o povo Quebecquoise em sua maioria tivesse o desejo de secessão, o mesmo deveria ser atendido, desde que houvesse uma “a clear majority on a clear question”, a partir desse referendo seriam iniciadas negociações entre as províncias respeitando o princípio federalismo. Segundo Choundhry o que a corte fez foi criar uma cláusula de secessão com base em princípios constitucionais não escritos.
O problema de preencher as lacunas, para Choundhry, com regras não escritas é que a Parte V, já tem um dispositivo legal de preenchimento, por meio das Emendas. Nelas não existe a previsão de emenda advinda de referendo popular, como foi julgado pela Corte. Desta forma, a Corte ingressou em um momento de mudança constitucional extra-legal.
3. A falha Constitucional das Emendas Canadenses
A Constituição de 1867 era um Estatuto Britânico, que as emendas poderiam ser feitas apenas pelo Parlamento Imperial, o que afetava a soberania do Canadá. Até o fim da primeira guerra isso não trouxe problemas, tendo em vista que o Canadá entendia ter poderes internos para se auto-gerir. A Declaração de Balfour de 1926 é que trouxe problema quando institucionalizou o Estado do Canadá. Após deixar de ser colônia o Canadá teve problemas para consolidar sua forma de realizar emendas até 1981, que mesmo assim não foi unânime.
Boa parte do problema gira em torno da política constitucional e o papel protagonizado por Quebec. Primeiro invocava a “compact theory”, na qual o Canadá seria uma Confederação, e cada federação teria direito de veto, contudo Quebec mesma se esquivava por vezes dessa teoria. Isso ocorreu na década de 50, quando algumas províncias começaram a questionar a adoção de emendas sem unanimidade. Já na década de 60, quando formulou a teoria das “two nations”, na qual o Canadá seria formado por dois povos os franceses e os britânicos, sendo que cada povo teria direito a veto, sendo Quebec a única representante do povo francês.
Em 1981, o governo de Quebec propôs uma forma de emendas, na qual as mesmas seriam aprovadas pelo Parlamento Imperial, com a requisição do governo federal, sendo requisitadas apenas após um acordo substancial, com os requisitos da “compact theory” adicionado da “two nations”. Essas propostas foram enviadas para o governo federal que rejeitou, depois para o governo britânico que preferiu não intervir e ainda para as cortes que rejeitaram a existência desse pedido.
O Bill 1, de 1995, foi um ato que determinava a Soberania de Quebec, com a chancela e vontade do povo Quebecquose, sendo perfeita expressão política de vontade. A Suprema Corte de Quebec declarou que a Declaração Universal de Independência (UDI), sem primeiro haver uma emenda possibilitando sua declaração seria uma afronta à Constituição Canadense e demonstraria uma descontinuidade da ordem legal. O Advogado Geral de Quebec contestou dizendo publicamente que a UDI seria um ato que não precisava estar em conformidade com a Constituição, pois seria uma ruptura com o levante de um novo Estado. Ainda, Quebec possui um direito especial na Constituição que a permite ser interpretada como uma sub-nação dentro do Canadá, com seu poder de veto parcial.
Apesar de ser inconstitucional indo de encontro com a Parte V esse fato não foi argüido pelo Governo Canadense por entender que os potenciais ganhos seriam maiores que os potenciais prejuízos. Assim, no julgamento, não foi levado em conta a inconstitucionalidade em face da Parte V, para não desconstruir o centro constitucional e sua política constitucional, sendo evocados os princípios constitucionais. Dentre os princípios, evocou-se que o território como um todo pertence ao povo, sendo impossível sua secessão unilateral.
E. Avançando: Momentos Constitucionais em uma Perspectiva Comparada
Choundhry sustenta que a re-interpretação dos momentos constitucionais como respostas extralegais para as falhas constitucionais serve para uma vasta gama de projetos intelectuais. Auxilia para o entendimento do cerne da teoria de Ackerman da extralegalidade das mudanças constitucionais americanas. Auxilia no estudo dos episódios de extralegalidade nos mais diversos sistemas. Une as duas teorias de Ackerman. E estende a teoria de Ackerman das emendas constitucionais, sustentando que estas devem ter habilidade limitada para conter as políticas constitucionais que tenha grande identidade com a comunidade política.
O ponto central da teoria de Ackerman é demonstrar que em muitos momentos da história americana houve mudanças constitucionais que ocorreram fora dos pretextos dos textos legais (a teoria do “higher lawmakling” é infeliz). Sua analise sobre a Recontruction demonstra que a lei é falha em prover procedimentos para as emendas constitucionais, de acordo com as políticas constitucionais, para as regras funcionarem elas teriam de estar plenamente em vigência e vigor coadunando com o pensamento político constitucional do momento.
Nos momentos de “crise” em que ocorrem as “políticas constitucionais” - constitutive constitutional politics -, as decisões tomadas dentro da legalidade podem fazer com que o sistema entre em colapso. No caso canadense, a paralisia e ineficiência ficaram claras, demonstrando que as normas vigentes não seriam capazes de segurar o sistema.
Outros exemplos das “políticas constitucionais” são as independências das colônias britânicas, em que o Parlamento Britânico declara a independência e cria uma nova constituição e em seguida um movimento interno dos países, por meio de um golpe, derruba a constituição e cria a sua própria.
Choundhry conclui que as emendas são importantes para manter a legitimidade e estabilidade da ordem constitucional, bem como a sobrevivência da nação:
They are an important device for ensuring the relevance, and hence both the legitimacy and stability of a constitutional order, so much so that the failure of a constitution to include them, or to make them too demanding to deploy, would be a fundamental defect in constitutional design that could pose a threat to the survival of a constitutional system. Rules for constitutional amendment face real difficulty in constituting and regulating moments of constitutive constitutional politics, because at those moments, the concept of political community which those rules reflect is at issue. And so the true lesson of constitutional moments may be some modesty on the limits of constitutional forms to regulate constitutional politics – and on the limits of constitutionalism itself.3
Crítica
Choundhry constrói sua obra fazendo um paralelo entre a teoria do “Higher lawmaking” de Ackerman e as tentativas de secessão da Província de Quebec, demonstrando que essa tentativa seria um momento de crise em que a constituição pode ser abandonada, ocorrendo as “políticas constitucionais” – constitutivo constitutional politics.
As três primeiras partes do artigo trazem uma análise crítica das obras de Ackerman, demonstrando os problemas e a manobra intelectual de Ackerman para tentar justificar a continuidade da constituição americana e a não inconstitucionalidade das reformas implementadas nos três momentos constitucionais.
Nas duas últimas partes, Choundhry, demonstra o ocorrido na tentativa de secessão de Quebec como um momento de crise institucional, nos moldes propostos por Ackerman, mas faz mais um relato histórico do ocorrido do que propriamente a demonstração e análise comparativa.
Por fim, Choundhry defende que as emendas não podem ser muito difíceis de implementar, pois são fundamentais para a sobrevivência do sistema constitucional. A dificuldade das normas das emendas se mostra em especial nos momentos de “constitutive constitutional politics”. Então a verdadeira lição seria que as normas constitucionais postas devem ter limites modestos nas formas de regular as políticas constitucionais.
1 Para Choudhry, a maneira mais fácil de solucionar esta ilegalidade é reconhecendo que não existe qualquer ilegalidade. Para isso, demonstra a teoria de Hart, pois sociologicamente, se os governantes aceitam uma regra como válida esta regra é válida pelo seu próprio reconhecimento interno.
2 Os procedimentos de emenda constitucional previstos na Parte V são, resumidamente, os que se seguem:
1- Procedimento Geral: Governador Geral proclama após a autorização do Senado e da Casa dos Comuns; e das assembléias legislativas de pelo menos 2/3 das províncias que somadas representem mais de 50% da população canadense;
2- Em matéria de extinção ou criação de direitos legislativos, de propriedade ou outros privilégios a algum ente legislativo ou governamental, exige-se a aprovação da maioria no Senado, na Casa dos Comuns e nas assembléias legislativa;
3- Unanimidade de todas as províncias em Emendas relativas: ao comitê da Rainha, ao Governador Geral e aos governadores de províncias; ao número de representantes por província; ao uso do inglês e francês; à composição da Suprema Corte e; ao próprio artigo;
4- Às emendas sobre limites territoriais e língua da província, o procedimento é o Geral, apenas necessitando da aprovação das Províncias envolvidas;
5- As matérias meramente executivas e relativas ao Parlamento, podem ser emendadas por aprovação apenas no Parlamento;
6- As emendas de conteúdo meramente provincial podem ser emendadas pela própria província.
3 P.71.
Nenhum comentário:
Postar um comentário