terça-feira, 29 de setembro de 2009

A interpretação constitucional da liberdade provisória

Sem dúvidas que a prisão cautelar não pode servir como antecipação da pena privativa de liberdade. Se o fosse, seria atentado à presunção de inocência (art. 5o, LVII). A força desse princípio obriga, somada à garantia do devido processo legal (art. 5o, LIV), a mitigação da literalidade da previsão constante do artigo 5o, LXVI, nos seguintes termos: "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança". Admite-se, pela textualidade isolada, que a regra seria a prisão cautelar, e a exceção, prevista em lei, a liberdade provisória.
O STF tem seguido a leitura sistêmica da Constituição. Em transcrição feita pelo Informativo n. 559, da concessão de medida cautelar, em decisão do Min. Celso de Mello, no âmbito do HC 100362-MC/SP, tem-se um quadro geral dessa jurisprudência, que adiciona aos argumentos a proporcionalidade e a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judicias, inclusive de custódia cautelar. Leiam-se os excertos:
"[A] vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006, tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do 'due process', dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República. Foi por tal razão (...) que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada: '(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ‘ex lege’, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.'

Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, “a priori”, em caráter abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. (...).

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
Daí a advertência de que a interdição legal 'in abstracto', vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.
O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do 'status libertatis' daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.Essa orientação vem sendo observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):
'A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII).' (RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)

'A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.' (RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Tenho por inadequada, desse modo, para efeito de se justificar a manutenção da prisão cautelar do ora paciente, a invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins
."

Lembrou, porque foi argumento trazido aos autos, que a gravidade do delito e o clamor social não são bastantes para decreto da prisão cautelar:
"Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o paciente deveria ser mantido preso, 'como garantia da ordem pública, evitando-se a reiteração de tais atos e que caia a Justiça em descrédito perante a comunidade local'. Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do Supremo Tribunal Federal, que, acertadamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particular fundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 72.368/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE):
'O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri.' (RTJ 193/1050, Rel. Min. EROS GRAU).
Por sua vez, as alegações - fundadas em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) - de que o paciente deve ser mantido preso para evitar que 'volte a cometer outros delitos' e que 'por conveniência da instrução do processo-crime deve o indiciado permanecer no cárcere' (fls. 114) constituem, quando destituídas de base empírica, presunções arbitrárias que não podem legitimar a privação cautelar da liberdade individual, como assinalou, em recente julgamento, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:
'HABEAS CORPUS’ - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DOS DELITOS E NA SUPOSIÇÃO DE QUE OS RÉUS PODERIAM CONSTRANGER AS TESTEMUNHAS OU PROCEDER DE FORMA SEMELHANTE CONTRA OUTRAS VÍTIMAS - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO, COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AO CO-RÉU.A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.
A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS.- A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa.- A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira.- Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva.
O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.'(HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
A mera suposição desacompanhada de indicação de fatos concretos - de que o ora paciente, em liberdade, poderia delinqüir ou frustrar, ilicitamente, a regular instrução processual - revela-se insuficiente para fundamentar o decreto ou a manutenção de prisão cautelar, se tal suposição, como ocorre na espécie dos autos, deixa de ser corroborada por base empírica idônea (que necessariamente deve ser referida na decisão judicial), tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 175/715, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).
Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelos julgamentos emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 990.09.065824-0), no qual se denegou a ordem de 'habeas corpus' então postulada em favor da ora paciente.Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
'(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).'(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU).
"
A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se - a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas 'a posteriori' (RTJ 59/31 - RTJ 172/191-192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):
'Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal.1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do hábeas corpus que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes
.'(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)".

A distinção entre direito e moral

Bom artigo online sobre a distinção entre direito e moral foi escrito por Lígia Mori Madeira: O Direito nas Teorias Sociológicas de Pierre Bourdieu e Niklas Luhmann.
Sobre a dupla contingência da moral, segundo a visão predominante de Luhmann, vale a perna a leitura de Edmundo Pires em O pensamento de N. Luhmann com teoria crítica da moral.

O Sistema Eleitoral Brasileiro

No artigo “Taking causality seriously in comparative constitutional law: insights from comparative politics and comparative political economy”, WHYTOCK analisa as consequências das Constituições e afirma que os estudantes de Direito Constitucional Comparado estão particularmente interessados em três características constitucionais básicas: sistemas eleitorais, federalismo e separação de poderes. Em seguida, ele demonstra como essas características interferem nos gastos públicos totais dos países.

No presente trabalho, pretende-se aproveitar a análise que WHYTOCK realizou sobre as características constitucionais de diversos países para analisar o sistema eleitoral brasileiro e vislumbrar como ele interfere em nosso modelo de democracia e nos gastos públicos.
2. Sistemas eleitorais: suas vantagens e defeitos
Sistema eleitoral é a forma utilizada para a escolha do representante. Neste trabalho, estamos interessados na forma de escolha do representante na legislatura. Existem diversas formas de escolha dos membros do legislativo, mas podemos dividir todas elas em dois grandes grupos:
· O sistema majoritário ou inglês, também conhecido como first-past-the-post (FPTP), no qual o país é dividido em distritos eleitorais de dimensões restritas, sendo que cada distrito elege um único representante no parlamento: o mais votado. É o sistema utilizado na Inglaterra e nos Estados Unidos;
· O sistema de representação proporcional (RP), no qual o distrito eleitoral tem dimensões bem maiores e, por isso, elege um número também maior de parlamentares: os mais votados de cada corrente política, observado o quociente eleitoral (número obtido pela divisão do número de eleitores pelo número de cadeiras no parlamento). Com isso, são eleitos parlamentares de diversas tendências, com o objetivo garantir o pluralismo político. É o sistema mais comum entre as democracias antigas.
Os dois sistemas possuem vantagens e defeitos. O sistema majoritário possui duas vantagens: (1) gera um vínculo maior entre o eleitor e o eleito, por causa do voto distrital; (2) reduz significativamente os gastos eleitorais, pois a campanha de cada candidato fica restrita ao distrito eleitoral, onde apenas um candidato será eleito. Porém, como observa BOVERO, tem a desvantagem de deixar todos os grupos políticos minoritários no âmbito do distrito sem representação parlamentar.
Ou seja, pode dar lugar à formação de um parlamento menos democrático, pois não há garantia de que o parlamento será formado por representantes de todas as correntes políticas, nem de que cada corrente política tenha uma representatividade no parlamento mais ou menos equivalente à proporção dos votos obtidos nacionalmente pela totalidade de seus candidatos.
Já o sistema de representação proporcional tem como vantagem deixar todas as correntes políticas com representação parlamentar, pois seu objetivo é fazer com que cada partido político tenha um número de assentos no parlamento proporcional ao total de votos obtidos a nível nacional. Todavia, as desvantagens são: (1) o eleitor pode votar num candidato e acabar elegendo outro (embora do mesmo partido); (2) encarece a campanha eleitoral, pois os candidatos têm que conquistar eleitores num âmbito territorial mais extenso.
Professor: José Adércio Leite Sampaio
Aluno: Wagner Junqueira Prado

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Normas programáticas

Um artigo fundamental para compreensão de normas programáticas pode ser encontrado online. Trata-se de Le Norme 'Programmatiche" della Costituzione, de Vezio Crisafulli, publicado em seu livro "La Costituzione e le sue Dispozione de Principio", Milano: Giuffrè, 1952.
Também está à disposição dos internautas A Constituição e as suas Normas Programáticas, de Antonio D’Atena, traduzido para o português por Ana Carolina Marinho Marques.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O uso do método comparado no direito constitucional

No presente artigo serão apresentados alguns aspectos básicos sobre o uso do método comparado no Direito Constitucional, dando ênfase à definição, problemas, funções e objeto, bem como às críticas favoráveis e contrárias ao uso deste método na interpretação e aplicação da legislação constitucional nacional. Nesta seara, posiciona-se a favor do uso do método comparado, mas de forma ponderada e contextualizada, a fim de não incorrer nos argumentos contrários à sua utilização.
(...)
Outra não é a realidade brasileira, na qual vemos nossas Cortes firmando posições com base em institutos concebidos no Direito estrangeiro, mas adaptados e adotados com base no uso do método comparado, sobretudo, no direito constitucional. O problema aqui reside quando esta adaptação não leva em consideração o contexto em que os institutos do Direito estrangeiro foram produzidos. Quando no uso do método comparado, o contexto sobre estatuto, jurisprudência, realidade política e história são necessários para entender o significado do próprio instituto estrangeiro e assim poder aplicá-lo na interpretação do texto constitucional interno. Este importante aspecto – contexto – deveria ser fonte de ponderação dos intérpretes e aplicadores das leis ao fazerem uso do método comparado
Professor: José Adércio Leite Sampaio
Aluno: Renato Souza Oliveira Junior

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Regulamentação da internet

"Precisamos de 'regras de trânsito' para a internet e para a sociedade da informação, e não da proteção de todos os dados que toma como fundamento um individualismo nômade que luta contra qualquer restrição da sua autonomia. Uma lei adequada sobre a Internet poderia fazer uso da flexibilidade de uma racionalidade tecnológica digital relacional. A proteção de dados não é o elemento central das liberdades civis como os autores às vezes tentam fazer o público acreditar. Os riscos das novas tecnologias e os possíveis efeitos colaterais perversos de seu uso só podem ser administrados dentro do domínio de opções em que o mundo online digital foi criada. Hibridação e da proliferação de ligações através de redes são duas das características da internet. Instrumentos para a proteção da diversidade da internet e da limitação do poder do Estado na rede de redes devem fazer uso destes fenómenos paradigmático. Leia: Toward a Network oriented Law of the Internet! The Necessity to Find a New Balance Between Risk and Opportunity in Network Communication, de Karl-Heinz Ladeur.

A Influência das Constituições no debate "cooperação e conflito" do sistema internacional

Este ensaio pretende incorporar as idéias contemporâneas acerca do Direito Constitucional Comparado a um trabalho mais amplo que se inscreve sob o título provisório de A construção de regras do direito como fator de distensão das relações internacionais. Nessa temática, a perspectiva construtivista das relações internacionais – sem se restringir aos seus limites – ganha relevância, uma vez que aposta na existência de regras acordadas em fóruns mundiais com vistas a um mundo menos conflitivo.
Prof. José Adércio Leite Sampaio
Mestrando: Gustavo de Souza Abreu

Direito Constitucional Comparado: Críticas e vantagens

Prof. José Adércio Leite Sampaio
Mestrando: Arthur Maciel Motta

Todos temos presente que é da natureza humana realizar comparações. O homem, com muita freqüência, avalia, de tudo um, por comparação. Uns dizem que a comparação evita, por vezes, a “reinvenção da roda”, pois se um caminho já foi trilhado por alguém, as experiências colhidas devem ser consideradas. Aprender com os erros e acertos dos outros, além do que com os próprios, é sinal de inteligência, economia e prudência.
A Revista Veja[1] apresenta o atleta jamaicano Usain Bolt, recordista mundial dos 100 e dos 200 metros rasos, como um “atleta além dos limites”. A reportagem, em sua parte final, retrata observações do antropólogo Daniel Lieberman, da Universidade de Harvard:
Parte da facilidade com que Usain Bolt supera seus adversários se deve às origens étnicas. No passado, populações isoladas desenvolveram capacidades físicas específicas que ficaram impressas nos genes. Corredores com herança genética da África Oriental, como os etíopes e os quenianos, têm nos músculos grande quantidade de fibras de contração lenta, o que os torna vencedores naturais de maratonas. Já os indivíduos com genes da África Ocidental, de onde vieram provavelmente os ascendentes do corredor jamaicano, têm fibras de contração rápida. São ótimos em provas de aceleração explosiva.
Todas as avaliações dessa análise, como se vê, foram obtidas por intermédio de inúmeras comparações.
No Direito Constitucional, esse conhecimento – advindo da comparação – produz o mesmo efeito prático. Num tema de tão grande importância para a vida das pessoas, é fundamental que se estude a evolução do constitucionalismo moderno e, por comparação, se verifique os erros e os acertos cometidos pelas diversas nações, bem como por nós mesmos, nos diversos textos constitucionais que produzimos ao longo de nossa história.
1 A comparação como método e ciência
Inicialmente, deve-se considerar que a ciência da comparação enfrenta três problemas básicos: o primeiro, é o da função: para que se compara; o segundo, é o do objeto: o que se compara; e o terceiro, é o do método: como comparar.
Da história, retira-se que a formação dos Estados Nacionais conduz ao surgimento de múltiplos ordenamentos estatais, soberanos e autossuficientes. Esses ordenamentos distintos implicam coincidências, semelhanças e diferenças. Segundo Giuseppe Vergotini:
Há uma falta de atenção substancial nas questões do método comparativo em virtude de que, até pouco tempo atrás, a análise recaía apenas sobre os ordenamentos europeus e dos Estados Unidos da América, uma vez que entendiam que a forma política natural dos Estados era a democracia liberal. O que se afastava disso era considerado degenerações, suscitando apenas meras curiosidades (2004, p. 3).
Essa análise eurocêntrica alterou-se com a Primeira Guerra Mundial e a entrada em cena da União Soviética, tendo fim com o surgimento de novos ordenamentos estatais pós-1945.
Os novos Estados surgidos não se enquadravam na forma clássica de Estado democrático-liberal. Isso levou a que não se procedesse a comparações ampliadas e se tivesse apenas comparações meramente descritivas dos ordenamentos constitucionais. As dificuldades de comparar coisas distintas permanecem até hoje.
Hoje se tem presente que a função principal do Direito Constitucional Comparado é o conhecimento, sendo sua função secundária a utilização dos resultados obtidos por meio da comparação em diversos objetivos.
Como ideia básica tem-se que a comparação é um método que permite a aquisição de novos conhecimentos. Da comparação surgem elementos cognitivos indispensáveis para a ciência do Direito Constitucional. Por exemplo, os conceitos de “forma de estado” e “forma de governo” procedem de estudos realizados em ordenamentos constitucionais distintos. Os ordenamentos servem de parâmetro de referência para os estudos sucessivos de novas realidades constitucionais.
Além disso, o Direito Constitucional, quando comparado, permite que a ciência jurídica se torne internacional e, portanto, ciência em sentido próprio. Quando o método comparado se constrói com suas próprias modalidades, quando afeta a campos de investigação concretos e atende a regras que somente são próprias dele e não de outras disciplinas científicas, pode-se concluir que o Direito Constitucional é uma ciência autônoma.
A comparação oferece, ainda, a oportunidade de se efetuar uma comprovação dos dados referentes ao conhecimento dos ordenamentos examinados. Como exemplo, Giuseppe Vergotini cita:
Quando a Itália necessitou criar leis excepcionais para combater o terrorismo político, ela se valeu da comparação do estudo da Constituição de Weimar (art. 48), da atual Constituição Francesa (art. 16) e da Lei Fundamental de Bonn (Cap. X, a). Isto possibilitou derrogar algumas garantias, previstas para tempos normais, bem como alterar a competência dos juízes (2004, p. 8).
É certo que a comprovação das generalizações que se formulam sobre a base dos conhecimentos empíricos é uma função essencial da ciência comparada. Com isso, pode-se ter resultados mais seguros e satisfatórios para determinadas mudanças que se pretende tomar. Quando os dados empíricos estatísticos e históricos não são suficientes, o único remédio é a comparação com as soluções dadas por outros ordenamentos, a fim de comprovar a exatidão dos dados disponíveis.
Deve-se considerar que o recurso da comparação pode ser usado para facilitar – mediante a confrontação com normas e práticas aplicadas por outros ordenamentos – a confrontação de institutos próprios do ordenamento que se toma como referência. O conhecimento comparado oferecerá um sólido marco de referência para as análises de institutos que se pretende investigar, sejam existentes no ordenamento constitucional pátrio, sejam tendentes a serem incluídos nesse ordenamento.
Interessante observar que o método comparado forma parte das técnicas interpretativas dos institutos constitucionais utilizados como o marco da interpretação sistêmica, especialmente pelos órgãos jurisdicionais. Nota-se que a comparação jurídica, por exemplo, é um dos métodos aos quais recorrem os tribunais constitucionais para interpretar as disposições relativas aos direitos humanos. Além dos métodos literal, sistemático, histórico e teleológico, de Savigny, Häberle coloca o método comparativo como quinto método de interpretação.
Agora mesmo, no caso do pedido de extradição feito pelo Governo da Itália para o condenado Cesare Battisti, o Direito Constitucional Comparado está fortemente presente nas análises, pois é feita sistemática comparação entre dispositivos da legislação italiana e brasileira, uma vez que o Governo Brasileiro já concedeu asilo político ao militante da esquerda italiana.
A comparação permite, ainda, a recepção, por parte do ordenamento jurídico, de institutos maduros e que já se afirmaram no âmbito de outro ordenamento jurídico. Os processos de formação de novos Estados e os de colaboração política têm conduzido à experimentação de formas de integração de ordenamentos jurídicos diferentes, frequentemente com uso do recurso determinante da comparação como, por exemplo, quando foi estabelecida a União Européia.
No caso brasileiro, uma situação que impõe um estudo criterioso de nossa parte é a existência do Mercado Comum do Sul – o Mercosul –, pois já se sente a necessidade de harmonizar determinadas normas constitucionais dos países integrantes do Bloco.
2. o objeto da comparação
Os ordenamentos estatais e suas instituições são o objeto da comparação do Direito Constitucional Comparado, segundo opinião generalizada da doutrina. Mas, tendo em conta o pluralismo dos ordenamentos, a comparação pode realizar-se tanto no interior de um ordenamento quanto no exterior do mesmo. Da mesma forma, a confrontação pode ser feita também com ordenamentos de entidades jurídicas que não sejam Estados: a União Européia (EU), por exemplo.
Para realizar a comparação, faz-se mister aprofundar o estudo do outro Direito, por meio do conhecimento da história constitucional, do sistema de fontes e da aplicação real da normativa constitucional. Deve-se conhecer os institutos típicos do ordenamento estrangeiro e familiarizar-se com sua terminologia jurídica.
Basicamente, para realizar a comparação no Direito Constitucional, há dois métodos: a Macrocomparação e Microcomparação. Por Macrocomparação, defini-se a comparação que se refere a ordenamentos analisados em seu conjunto. Microcomparação, por outro lado, seria a comparação realizada entre setores ou institutos concretos de cada ordenamento, o que é de mais prática execução.
Por outro lado, não se pode olvidar que o Direito que se constitui como objeto da uma possível comparação é o Direito Positivo vigente nos ordenamentos afetados pela investigação comparada. O eventual exame de dispositivos que já não se encontram em vigor é objeto de investigações históricas.
Comparar, em letras frias, significa confrontar, pondo em relevo semelhanças e diferenças que resultam da disciplina normativa estabelecida por distintos ordenamentos, bem como das que resultam da prática constitucional e da jurisprudência.
A comparação não pode se restringir ao direito escrito e codificado, pois “seria parcial, distante da realidade social” (Vergotini, 2004, p. 28). Assim, a comparação se refere às normas efetivamente vigentes, inseridas ou não nos textos escritos. É o direito realmente vigente que deve ser considerado para efeitos comparativos, não coincidindo, necessariamente, com o direito escrito.
A possibilidade de comparar ordenamentos e instituições faz referência à seleção dos materiais objeto do estudo e às questões relativas ao método. Essa possibilidade se vincula à busca de sua homogeneidade, cujo conceito é diferente quando se fala de relações entre ordenamentos e quando se fala em relações entre institutos de diversos ordenamentos.
A homogeneidade dos ordenamentos pressupõe que pertençam à mesma forma de Estado. Porém, é evidente que uma classificação não pode dificultar o conhecimento dos diversos ordenamentos, que é o fim da ciência comparada, mesmo porque, a comparação pode manifestar diferenças junto com as semelhanças.
O estudo comparado de ordenamentos heterogêneos, os enquadrados em formas de Estado distintas, obriga o aprofundamento do estudo nos aspectos que sustentam os ordenamentos examinados.
O conceito de homogeneidade que se aplica a institutos presentes em vários ordenamentos (homogêneos ou heterogêneos) é profundamente diferente. No caso, a homogeneidade alude à determinação dos elementos identificadores comuns a dois ou mais institutos objeto de confrontação.
Isto quer dizer que aspectos meramente formais de qualificação de um instituto não são suficientes para estabelecer a priori equivalências entre institutos de ordenamentos enquadrados em formas de Estado diferentes. Conceitos como parlamento, direito de liberdade, partidos, representação, são comuns a vários ordenamentos, mas podem ter conteúdos diferentes.
O perigo de se estabelecer conclusões apressadas se dá, também, quando a comparação ocorre dentre da mesma forma de Estado. Por outro lado, a existência de institutos que, por sua qualificação são aparentemente homogêneos, não que dizer que existam soluções jurídicas que, do ponto de vista substancial, sejam homogêneas.
Além disso, a comparação comporta uma operação lógica de análise de ordenamentos e de institutos, de considerações dos resultados recolhidos, de confrontação entre os mesmos e, por fim, de síntese conclusiva, a partir da qual emergem apreciações críticas que comportam um sentido próprio ao juízo comparativo.
Quando se leva a cabo uma comparação, quando se estuda institutos nacionais já existentes e experimentados, confunde-se o instituto nacional com o modelo abstrato. Assim, os elementos identificadores da investigação se deduzem exclusivamente do ordenamento nacional que se compara com outros.
Mas, quando o instituto não está regulado no Direito Positivo, somente existindo em proposição legislativa ou em estudo da doutrina, fica mais clara a exigência de se estabelecer um modelo de referência para a análise. Tal modelo deve ser construído por um trabalho de abstração deduzido da experiência de diversos ordenamentos.
Parece mais seguro e cientificamente mais fundado estabelecer o fim que está por trás do instituto estudado, ou seja, sua função precípua, sem com isso se pretender excluir a relevância dos aspectos formais.
3. modelos de referência
O Direito Comparado não é o direito que surge de uma simples comparação de textos legislativos, mas é o que procede da comparação de diversas soluções jurídicas para os mesmos problemas de fato que afrontam os sistemas legais de distintos ordenamentos. Vale dizer, as instituições de sistemas legais diferentes podem ser razoavelmente comparadas unicamente se buscam o mesmo fim, se cumprem a mesma função. A função é o ponto de partida e a base de toda comparação jurídica.
Como a ciência do Direito Comparado toma por base como comparável o que responde pela mesma função, ou seja, se o critério de referência é a função, é evidente o perigo para esta ciência de usar materiais escolhidos exclusivamente por suas semelhanças formais.
Para facilitar a comparação, julga-se que a investigação deve buscar, em primeiro lugar, os órgãos do Estado e sua estrutura jurídica e, no passo seguinte, estas instituições seriam examinadas à luz da função que cumprem.
Em qualquer comparação, o primeiro problema é sempre o de comprovar que as variáveis objeto de contraste são realmente de mesma classe. A classificação supõe um agrupamento de objetos de análises de maneira que formem categorias sistemáticas, contextos comuns, dentro dos quais estejam todos os casos que respondam aos elementos característicos das mesmas categorias. Exaustividade e exclusividade são os traços próprios da classificação.
A dificuldade está no fato de que o objeto do estudo comparativo são os ordenamentos jurídicos, caracterizados por grande heterogeneidade de elementos constitutivos. Deve-se, assim, esforçar-se para realizar uma classificação, mesmo que não seja completa.
O agrupamento de diversas categorias de ordenamentos estatais em classes, à vista de sua homogeneidade recíproca, constitui a premissa necessária à realização de comparações em seu interior. A eleição de critérios distintos para classificar é perfeitamente admissível, correspondendo a cada investigador escolher os que sejam funcionais para o tipo de trabalho que quer realizar. Para Vergotini, na elaboração de uma tipologia, os critérios que se consideram idôneos para realizar a análise e classificação são: “o critério relativo à titularidade do poder; o critério relativo às modalidades de exercício do poder; e o critério relativo aos fins do exercício do poder” (2004, p. 42).
A opção de se recorrer às diversas formas de Estado para realizar comparações tem se mostrado confirmada pelos resultados práticos. Uma classificação aceita é aquela que “concede espaço para o direito romano-germânico, para o da Common Law, para o socialista, o hindu, o muçulman e o chinês” (Vergotini, 2004, p. 49).
Há doutrinadores que apresentam distintas classificações. Como exemplo, tem-se aqueles que estabelecem grupos de direitos subdivididos em famílias: grupo ocidental, dividido nas famílias européias, latino-americanas, nórdica e da Common Law; grupo socialista, dividido nas famílias soviética (que não faz mais sentido), e nas democracias populares e da China; e grupo que espera posteriores aprofundamentos, como os direitos asiáticos e africanos.
Sobre o tema, uma visão interessante é a apresentada por Axel Tschentscher. Segundo ele, enquanto o estudo do Direito Comparado, de um modo geral, ainda enfrenta grande diversidade, o Direito Constitucional já encontra grande convergência, podendo-se reconhecer a existência de um “Direito Constitucional Internacional”. Como exemplo, cita que a Corte Européia de Justiça já atingiu um consenso constitucional entre os membros da União Européia.
O Direito Constitucional Comparado envolve aspectos fundamentais para a boa governança de um país, seja visando a uma correta organização política, seja visando ao cumprimento de direitos básicos do cidadão. Padrões legais formalizados não são impostos com supremacia sobre as constituições dos países, mas – segundo Axel Tschentscher – já temos organizações internacionais e cortes legislando e julgando de forma que os países não podem facilmente desconsiderar suas decisões. Esses legislativos e judiciários tendem a estabelecer o que se chama “Direito Constitucional Internacional”.
Comparar constituições é uma das formas de analisar seus conteúdos. Com essa globalização no campo do Legislativo e do Judiciário, cresce de importância do estudo do Direito Constitucional Comparado.
Historicamente, identifica-se em Aristóteles – Livros III e IV de a “Política” – interessante distinção. Após análise e comparação, o filósofo distingue as constituições verdadeiras, como sendo as que visam ao bem-estar dos cidadãos, das perversas, que visam ao bem das próprias regras. Fechando curta análise histórica, Axel Tschentscher afirma que:
Outro ponto histórico que deve ser citado foi quando da confecção do esboço do que seria a Constituição dos Estados Unidos da América, pois comparou-se diversos pontos das leis dos estados-membros, culminando com a adoção do federalismo daquele país. E, após a II GM, o constitucionalismo comparativo apresentou-se como um dos expedientes utilizados em ondas de novas constituições que foram rascunhadas e adotadas pelos países descolonizados e pelos desmembrados (2008, p. 2).
Como medida prática, verifica-se que para realizar macrocomparações é necesssário, como passos iniciais, realizar microcomparações, ou seja, comparar institutos de per si. Alex Tschentscher, citando Häberle, ensina que “a análise comparativa por tópicos específicos, ou seja, a microcomparação, dá um suporte de confiança maior ao Direito Constitucional Comparado” (2008, p. 3).
Não obstante, há críticos que apontam seus fogos contra o processo, com as seguintes afirmações: os textos constitucionais são incompletos, o que causa uma incompletude nas análises; a letra fria do documento constitucional pode ser mal entendida, fugindo da prática real de sua utilização; o texto constitucional é indeterminado, no que diz respeito a possíveis interpretações distintas tiradas da leitura do mesmo dispositivo; o texto constitucional pode ser ineficaz, tendo um caráter não de regra, mas de símbolo; e constituições escritas podem ser consideradas desnecessárias, haja vista o exemplo da Grã-Bretanha.
Como contraponto destas críticas, afirma-se que apesar de incompleto, o texto constitucional é o melhor ponto de partida para se analisar as questões político-sociais de um país.
Além disso, ainda parafraseando Häberle, Alex Tschentscher afirma que “o Direito Constitucional Comparado pode ser entendido como o quinto método de interpretação” (2008, p. 3). Como técnica de entendimento do significado dos textos legais, a comparação assumiu o status de quinto método, somando-se às classificações literal (gramatical), sistêmica, histórica e teleológica. Isso sem considerar que a incorporação dos Direitos Humanos nas constituições nacionais propiciou, de forma muito forte, a padronização dos textos.
Por fim, discorre Alex Tschentscher que os métodos de comparação constitucional seriam três: Comparação Material ou Substantiva, que consiste na análise comparativa feita sobre a prática constitucional como, por exemplo, sobre as decisões políticas e judiciais tomadas no país em estudo; o Método Tradicional, ou seja, uma lista com questões sobre determinado ponto que é enviada para especialistas constitucionais nos países em estudo e que, uma vez respondidas, passam pelo crivo de um relator ad hoc, nomeado para fazer a comparação; e o Método Dialético, vale dizer, aquele que à medida que é apresentado um tópico de uma constituição, após a pesquisa, um outro ponto de vista de diferentes constituições é lançado na discussão, intencionalmente, a fim de corrigir possíveis erros visualizados na interpretação da primeira.
Sujit Choudhry, em interessante texto sobre o tema, comenta uma entrevista pública feita pela aluna Norma Dorsen aos juízes da Suprema Corte Norte-Americana Stephen Breyer e Antonin Scalia – o primeiro favorável e o segundo contrário –, versando sobre a relevância constitucional das decisões de cortes estrangeiras. No debate, os juízes mostram, de forma clara, o drama de usar ou não ideias constitucionais de outros países, a chamada migração de ideias constitucionais. Patriotismos à parte, o texto mostra uma aplicação prática da comparação de legislações constitucionais de países distintos, apontando para a necessidade de se considerar análises feitas por outros povos, a despeito de empregarem textos constitucionais diferentes.
Ao estudar o assunto, Matthew S. R. Palmer – no texto que trata da linguagem no diálogo constitucional, no qual afirma que ocorrem negociações longe das vistas do povo – identifica o que chamou de realismo constitucional. Esse realismo existe na medida em que há fatores que influenciam o exercício do poder, o que possibilita uma identificação distinta do significado ou do objetivo da lei. A tese do realismo constitucional é a de que as pessoas vivenciam, com suas experiências, ao vivo e, também, de modo virtual, o Direito Constitucional. Esse realismo escapa, a toda hora, do ordenamento escrito, devendo, portanto, ser diagnosticado para não prejudicar os interesses do povo.
Por fim, outra análise digna de nota é a feita por Ganesh Sitaraman, ao comentar o uso e o abuso da lei estrangeira na interpretação constitucional. A discussão surge, também, com o uso da legislação estrangeira em decisões da Suprema Corte Norte-Americana, como no caso Atkins versus Virgínia e Roper versus Simmons.
Para Ganesh Sitaraman, há três formas de emprego do Direito Constitucional Comparado. A primeira diz respeito ao que ele considera “uso não problemático do direito estrangeiro”, quando: apenas cita a língua estrangeira, ilustra contrastes, usa como reforço lógico aos argumentos presentes e apresenta proposições factuais; a segunda forma seria o “uso relativamente problemático do direito estrangeiro”, por empregá-lo como raciocínio persuasivo, por simples aplicação direta ou tomando como base suas consequências empíricas; e a terceira forma, esta nefasta, seria o “uso problemático do direito estrangeiro”, na medida em que é aplicado por agregação pura e simples, por empréstimo autoritário ou, pelo contrário, quando explicitamente não é utilizado sem qualquer justificação. Como se vê, para o autor, “o uso de lei estrangeira não só é permitido nos Estados Unidos da América, como é, por vezes, necessário” (2006, p. 2).
CONCLUSÃO
Feitas essas reflexões, chega-se à conclusão que o estudo do Direito Constitucional Comparado é de capital importância para o desenvolvimento e evolução do Direito Constitucional de qualquer país. Não há como, com a globalização que se tem hoje, com as comunicações reduzindo e, por vezes, eliminado as distâncias entre os povos, com a formação de blocos de países, viver numa “ilha” jurídica isolada do mundo exterior.
De tudo, pode-se fechar essa análise com as seguintes ideias:
- anterior à comparação, tem-se a eleição de critérios de classificação, que apresentam caráter relativo. A classificação tem por objetivo determinar unidades de estudo chamadas classe, que podem se subdividir;
- a função essencial e primária da comparação é o conhecimento, podendo-se utilizar as noções adquiridas para diversos fins;
- a comparação consiste numa operação lógica que supõe um estudo analítico dos ordenamentos e instituições examinados, a consideração dos dados obtidos, seu contraste e uma síntese da qual emerge uma valorização crítica que contém um juízo comparativo.
- a comparação pode ser espacial (sincrônica), quando se examina os ordenamentos num momento determinado, normalmente contemporâneo à análise que se desenvolve; ou histórica (diacrônica), quando se examinam os ordenamentos em sua sucessão temporal, feita esta, normalmente, como instrumento auxiliar;
- a comparação pressupõe o exame de ordenamentos estatais e de organizações internacionais;
- os ordenamentos comparados podem pertencer a formas de Estado distintas. A homogeneidade não é requisito imprescindível para a comparação, sendo que esta recairá apenas sobre uma classe específica ou uma subclasse;
- a comparação deverá considerar também o direito não escrito, tendendo a verificar o cumprimento do que está escrito;
- a comparação pode tomar em consideração os ordenamentos in totum (macrocomparação) ou os institutos de diferentes ordenamentos (microcomparação);
- como exemplos de métodos a serem empregados temos: o quantitativo e estatístico, o estudo de caso e o histórico;
- o resultado da comparação consiste em apresentar coincidências, semelhanças e diferenças;
- a análise pressupõe a determinação preventiva de um marco de referência que opera como parâmetro de base para o investigador realizar seu trabalho. Esse parâmetro, que pode ser implícito, às vezes se confunde com o esquema do instituto próprio de quem realiza a comparação; e
- a forma mais segura de superar as divergências de definição consiste na identificação da função pela qual determinado instituto – que se quer comparar – responde.
Assim, verifica-se que o marco de referência para o desenvolvimento do juízo comparativo não pode prescindir da identificação preventiva da função desempenhada pelo instituto que se quer comparar.
O estudo do Constitucionalismo e a comparação dos textos constitucionais devem ser encarados como instrumentos poderosos para a consecução de análises do nosso próprio ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHOUDHRY, Sujit. Migration as a new metaphor in comparative constitucional Law. New York: Cambridge University Press, 2006. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2009.
DIPPEL, Horst. História do constitucionalismo moderno. Novas perspectivas. Trad. António Manuel Hespanha e Cristina Nogueira da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação e Bolsas, 2007.
PALMER, Matthew S. R. The Language of Constitutional Dialogue: bargaining in the shadow of people. Palestra. Toronto, Canada: York University, 2007. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2009.
SITARAMAN,Ganesh. The use and abuse of foreign Law in constitutional interpretation. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2009.
VERGOTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional comparado. Trad. Cláudia Herrera. México: Unam, 2004.
Notas:
[1] TEIXEIRA, Duda. Um atleta além dos limites. Revista Veja. São Paulo: Abril, ed. 2127, n.34, ago. 2009, p. 98.

domingo, 20 de setembro de 2009

Liberdade de expressão na Suécia

No artigo "Sweden's Free-Speech Charade", publicado em "The New Republic" do dia 18/9/2009, Benjamin Birnbaum denuncia as contradições do regime constitucional e legal da liberdade de expressão na Suécia, considerada um "paraíso" dessa liberdade. Birnbaum responde que não é bem assim. Vale a pena a leitura.

sábado, 19 de setembro de 2009

Noções Preliminares de Direito Constitucional Comparado

Prof. José Adércio Leite Sampaio
Mestranda: Roberta Pereira Negrão Costa



Sumário: 1. Introdução; 2. Comparação Jurídica; 3. Natureza Jurídica do Direito Constitucional Comparado; 4. Conceituação de Direito Constitucional Comparado; 5. Funções do Direito Constitucional Comparado como ciência jurídica; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.

Palavras-Chave: Comparação Jurídica, Direito Comparado, Direito Constitucional Comparado.

1. Introdução
Este texto pretende abordar noções preliminares de Direito Constitucional Comparado, ao analisar de maneira simplificada a natureza jurídica do direito constitucional comparado e, a partir dessa definição, identificar suas funções. Para tanto, primeiramente, esclarecer-se-á a noção de comparação jurídica, entendida como direito comparado. Em seguida, será apresentada a divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do direito constitucional comparado, a fim de elucidar se trata-se um um método ou uma ciência.

2. Comparação Jurídica
Comparar significa confrontar, aproximara a fim de precisar os objetos que se compara. A comparação pode ser entendida como uma operação do espírito pela qual são aproximados em um confronto metódico os objetos a serem comparados, a fim de individualizá-los e distingui-los, e assim o fazendo permitir sua melhor compreensão para possibilitar seu agrupamento ou afastamento e classificação.[1]
O uso da comparação como forma de aprendizado e desenvolvimento abstrato do ser humano dá-se, em grande parte, por sucessivas generalizações, tipificações e classificações conforme seja os objetos iguais ou distintos.[2] A atividade comparativa é frequentemente utilizada na ciência jurídica como forma de melhor conhecer e compreender os institutos, normas ou instituições jurídicas, para, através do cotejo, extrair semelhanças ou diferenças entre os objetos comparados. Com o uso da comparação, pode-se obter generalização empírica para que seja possível analisar o seu resultado como objeto de uma investigação para postular generalizações teóricas.
À comparação jurídica dá-se o nome Direito Comparado[3]. Há grande divergência doutrinária sobre a sua natureza que implica em saber se trata-se de um método ou de uma ciência.

3. Natureza Jurídica do Direito Constitucional Comparado
A discussão acerca da natureza do direito comparado pousa nos mesmos argumentos para delimitar a natureza do direito constitucional comparado. Por isso, serão apresentados os argumentos comuns a ambas as divergências teóricas.
O debate visa responder se o direito constitucional comparado é uma disciplina científica autônoma ou um método – o método comparativo. Há quatro correntes doutrinárias sobre o tema. A primeira entende essa discussão teórica é inócua e não traz nenhuma consequência prática. Segundo essa corrente, as expressões método e ciência podem ser utilizadas indistintamente e que não há uma definição exata para os termos. Salienta Caio Mário da Silva Pereira, ao prático é despicienda essa indagação, mas ao homem de estudo a determinação da cientificidade ou não do direito constitucional comparado é relevante[4], pois implica dizer se seu conteúdo é ou não objeto de estudo pelo Direito, se está entre as finalidades desse conhecimento.
A segunda corrente entende que direito constitucional comparado é um método. Trata-se da aplicação do método comparativo, de um “conjunto de procedimentos que, baseados em certos princípios, buscam alcançar determinado resultado.”[5] A comparação jurídica seria uma técnica especial de estudo dos diversos ordenamentos constitucionais, mas não poderia ser considerada ciência, pois não é um ramo da ciência jurídica dotado de autonomia, com objeto próprio de estudo. Seria, portanto, um método de exposição e de pesquisa baseado na comparação entre fenômenos jurídicos que ocorrem em diversas sociedades. Para Rivero, o direito constitucional comparado é um método porque consiste no estudo paralelo de normas e institutos jurídicos com o intuito de esclarecê-los a partir desse confronto. Gutteridge afirma que se por direito se entende um conjunto de normas, não é possível existir um direito comparado, pois o processo de comparar normas de diferentes sistemas jurídicos não dá origem a novas normas aplicáveis com validade e vigência nos ordenamentos comparados.[6] Por isso, trata-se de um método de comparação. Verifica-se que essa noção está intimamente ligada a um determinado conceito sobre o que é Direito, identificado como um conjunto de normas constantes em um determinado ordenamento jurídico. A crítica que pode ser feita a essa corrente é que exposta como simples método, a pesquisa comparativa não apresenta os requisitos necessários a subsidiar nenhuma classificação teórica mais aprofundada, pois seria elemento comum a diversas áreas do conhecimento e desconsidera a peculiaridade de seu objeto.
A terceira corrente entende que o direito constitucional comparado é uma ciência, pois tem um objeto próprio de investigação, é dotado de um método específico, o método comparativo, goza de autonomia doutrinária e didática.[7] Para Vergottini, o direito constitucional comparado não é direito positivo, mas concerne ao confronto entre diversos ordenamentos jurídicos positivados, seus institutos e normas, pautado em operações lógicas de contraste, análise e síntese, levadas em consideração de maneira sistemática, em observância ao método comparativo, conferindo cientificidade à disciplina.[8] Este ramo do direito não pode ser confundido com os demais. Nas demais áreas do conhecimento jurídico, a comparação é um instrumento eventual para alcançar um determinado fim. Já no direito constitucional comparado, há por pressuposto o conhecimento dos ordenamentos a ser comparados, tendo como principal finalidade a própria comparação.[9] Saliente-se que para Vergottini, a finalidade da comparação é o conhecimento dela decorrente (função primária da comparação) e a utilização dos resultados obtidos para o alcance de objetivos diversos (função secundária da comparação).[10] O direito constitucional comparado contém em si uma dimensão epistemológica, que busca conhecer cientificamente a diversidade dos textos constitucionais transnacionais a partir da reflexão acerca dos pontos em comum e distintivos dos sistemas jurídicos[11].
Por fim, a quarta corrente, que postula a natureza híbrida do direito constitucional comparado. Segundo essa corrente, o direito comparado é a um só tempo método e ciência. Agrupando, ordenando e classificando os conhecimentos obtidos através do uso do método comparativo em um todo coerente é que se funda sua cientificidade. É uma ciência na medida em que, pelo emprego do método comparativo, torna conhecidas verdadeiras relações das ordens jurídicas.[12] Segundo essa corrente, o método comparativo realiza a microcomparação, que consiste na aproximação comparativa de ordenamentos jurídicos diferentes, por onde se atingem resultados parciais, fragmentários e desordenados, cujo objeto é obter e acumular observações parciais. Já a ciência do direito comparado realiza a macrocomparação, ao confrontar e penetrar nas ordens jurídicas para selecionar, ordenar e classificar os resultados parciais obtidos pelo método comparativo, o que permite consolidar novos conhecimentos. A crítica que não é capaz de separar claramente o conceito de ciência e método e que tanto a microcomparação, entendida como a análise de institutos singulares a comparar[13], como a macrocomparação, entendida como o confronto de ordenamentos ou sistemas considerados como um todo[14], são parte do direito constitucional comparado.

4. Conceituação de Direito Constitucional Comparado
Tendo em vista considerar o direito constitucional comparado como uma ciência autônoma, um ramo distinto do conhecimento jurídico, entende-se o direito constitucional comparado como uma comparação, um confrontamento das instituições políticas e jurídicas distintas para, através do cotejo, extrair semelhanças e diferenças entre os objetos comparados. Mas essa evidência extraída não é per si um conclusão científica, sendo ainda necessário estabelecer uma relação em função da comparação realizada (para que se compara, o que se compara e como se compara) para a verificação quanto à possibilidade de generalização do objeto cuja existência possa ser assegurada pela observação de várias semelhanças nos sistemas comparados. Assim, permite-se a formulação de relações ou estruturas gerais e conclusões para o Direito Constitucional Geral e para o aprimoramento do Direito Constitucional interno.[15]

5. Funções do Direito Constitucional Comparado como ciência jurídica
Com suporte no direito constitucional comparado como ciência jurídica, é possível identificar suas funções, com a determinação de sua utilidade e finalidade à experiência prática.
Vergottini aponta como função primária do direito constitucional comparado a produção de conhecimento através da comparação jurídica de ordenamentos, institutos e normas diferentes. Como função secundária, o autor indica a utilização dos resultados obtidos para o alcance de diversos objetivos, tais como demarcar diferentes realidades constitucionais, uma análise em âmbito internacional, a possibilidade de conhecer dados de outros ordenamentos e utilizá-los como um elemento de controle, elaboração de textos normativos a fim de aprimorar institutos já existentes no ordenamento em comparação com outros ou inseri-los.[16] Indica, ainda, como função importante do direito constitucional comparado o auxílio à harmonização e unificação normativa, tanto no processo de formação de novos Estados, como na colaboração política entre Estados, sendo esta uma maneira de integrar ordenamentos jurídicos distintos.
Para Mendonça, as principais funções do direito constitucional comparado são a de possibilitar um melhor conhecimento e, consequentemente, aplicação do próprio ordenamento jurídico pelos operadores a ele vinculados e, por outro lado, contribuir para o desenvolvimento legislativo do Estado, através de possíveis mudanças normativas, o que permitiria uma uniformização legislativa globalizante[17], de grande relevância para determinados assuntos, tais quais proteção a direitos fundamentais, observadas questões culturais locais, bem como lavagem de dinheiro, tráfico internacional de dragas e armas, entre outros assuntos de interesse transnacional.
Para Souto, através da comparação de vários ordenamentos, o direito constitucional comparado exerce função reformadora da ordem jurídica, função educativa, própria de toda a ciência, função criadora, no momento em que surge um novo material como resultado da comparação passível de positivação social e normativa, e, por fim, função intepretativa e integradora da ordem jurídica de um país observados os parâmetros existentes em outro país.[18]
Dantas, resumidamente, elenca como funções a contribuição para a difusão do conhecimento jurídico na comunidade e sua interiorização pelos indivíduos, o aperfeiçoamento da aplicação das normas jurídico-positivas em determinado Estado e, por fim, o subsidio à mudança do ordenamento jurídico.[19] Coutinho menciona como funções a didática, que possibilita o conhecimento de outros sistemas e permite a melhor compreensão do próprio ordenamento, a função de aprofundamento do direito e uma função pacificadora, coordenadora e integrativa[20] no sentido de fornecer elementos que permitem uma análise quanto a integração de ordenamentos, o que leva a uma coordenação de sistemas jurídicos e pacificação da sociedade internacional.

6. Conclusão
Apresentada de maneira simplificada e resumida algumas noções preliminares do Direito Constitucional Comparado, foi possível concluir:
a) A idéia de comparação jurídica é fundamental ao Direito Constitucional Comparado, pois permite sucessivas generalizações, tipificações e classificações conforme seja os objetos iguais ou distintos a ser realizada por esse ramo de conhecimento jurídico, com o uso do método comparativo;
b) A discussão sobre a natureza jurídica do Direito Constitucional Comparado é relevante à produção de conhecimento científico ao Direito;
c) O Direito Constitucional Comparado é uma ciência, pois goza de autonomia doutrinária e didática, tem um objeto próprio de investigação, é dotado de um método específico, o método comparativo, pautado em operações lógicas de contraste, análise e síntese, levadas em consideração de maneira sistemática. Contém em si uma dimensão epistemológica, que busca conhecer cientificamente a diversidade dos textos constitucionais transnacionais a partir da reflexão acerca dos pontos em comum e distintivos dos sistemas jurídicos;
d) Nas demais áreas do conhecimento jurídico, a comparação é um instrumento eventual para alcançar um determinado fim. Já no direito constitucional comparado, há por pressuposto o conhecimento dos ordenamentos a ser comparados, tendo como principal finalidade a própria comparação.
e) Suas principais funções são a produção de conhecimento através da comparação, aperfeiçoamento da aplicação das normas jurídico-positivas em determinado Estado, auxílio à harmonização e unificação normativa, promoção de integração de ordenamentos.

7. Bibliografia
COUTINHO, Ana Luísa Celino. Direito comparado e globalização. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, julho/dezembro, 2003.
DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 134, n. 134, abril/junho, 1977.
DANTAS, Ivo. O direito comparado – formação histórica, métodos e técnicas de pesquisa. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, Recife, v. 8, n. 8, 1997.
GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado – introducion al médoto comparativo em la investigación y em el estúdio del derecho. Barcelona: Artes Gráficas Rafael Salvá, 1954.
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SALES, Gabrielle Bezerra. LOPES, Gilvan Linhares. Transversalidade dos direitos fundamentais: uma perspectiva epistemológica do direito constitucional comparado. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília, nos dias 20 a 22 de novembro de 2008.
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SOUTO. Cláudio. SOUTO, Solante. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 2ª eidção. Porto Alegre: Safe, 1997.
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VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004.


[1] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[2] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, p. 185.
[3] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[4] PEREIRA. Caio Mário da Silva.. Direito comparado, ciência autônoma. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 4, outubro, 1952, pp. 46.
[5] MARTÍNEZ PAZ. Enrique. Introducion al derecho civil comparado. Buenos Aires: Abelado-Perrot, 1960, p. 132.
[6] GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado – introducion al médoto comparativo em la investigación y em el estúdio del derecho. Barcelona: Artes Gráficas Rafael Salvá, 1954, p. 14.
[7] Neste sentido, DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 134, n. 134, abril/junho, 1977, pp. 231 a 249.
[8] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, p. 2.
[9] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, pp. 189 e 190.
[10] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, p. 4.
[11] SALES, Gabrielle Bezerra. LOPES, Gilvan Linhares. Transversalidade dos direitos fundamentais: uma perspectiva epistemológica do direito constitucional comparado. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília, nos dias 20 a 22 de novembro de 2008.
[12] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[13] TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
[14] TSXHENTSCHER, Axel. Comparative Constitutional Law. Bibliografia base da matéria Direito Constitucional Comparado.
[15] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Texto apresentado no Congresso Internacional de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, realizado na Cidade do México, de 9 a 14 de fevereiro de 2004.
[16] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Tradução: Claudia Herrera. 1ª edição. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2004, pp. 4 a 20.
[17] MENDONÇA. Fabiano André de Souza. Direito Comparado: objeto do direito. Revista da FARN, v. 1, n.1, julho/dezembro de 2001, p. 192.
[18] SOUTO. Cláudio. SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 2ª eidção. Porto Alegre: Safe, 1997, pp. 138 e 139.
[19] DANTAS, Ivo. O direito comparado – formação histórica, métodos e técnicas de pesquisa. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, Recife, v. 8, n. 8, 1997.
[20] COUTINHO, Ana Luísa Celino. Direito comparado e globalização. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, julho/dezembro, 2003, pp. 32 e 33.

O Direito Público Subjetivo à Educação Comparado

Prof: José Adércio Leite Sampaio
Aluno: Thiago de Oliveira Gonçalves

1- A necessidade de uma análise histórico-comparativa dos elementos que propiciaram a moderna concepção do direito público subjetivo à educação:

A interpretação liberal clássica afirma que os direitos fundamentais são direitos destinados a assegurar a liberdade dos indivíduos frente à atuação estatal. É nesse sentido que se considera serem direitos de defesa e, portanto, direitos a ações negativas do Estado[1].
A dogmática atual dos direitos fundamentais tem como uma de suas questões principais e mais discutidas a referente a saber se, e em que medida, tais direitos correspondem também a normas que conferem direitos a ações positivas (prestações estatais)[2].
A problemática se torna mais evidente no âmbito dos direitos sociais, típicos direitos a prestações[3]. Utilizando expressão de Andreas Krell, esses configurariam direitos "através" do Estado e não "contra" ele, na medida em que dependentes de uma prestação material a ser concedida pelo Estado[4].
Nesse sentido, na esfera dos direitos fundamentais, incluem-se nos chamados "direitos de segunda geração" (os quais compreendem os direitos sociais, econômicos e culturais), que se desenvolveram após a Revolução Industrial e as primeiras conquistas dos movimentos sindicais[5].
A Constituição brasileira traz um rol expresso de direitos sociais (art. 6º)[6], contidos no título referente aos “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título II).
A atuação estatal para sua efetivação se dá por meio de implementação de políticas públicas, seja por lei, ato administrativo ou instalação de algum estabelecimento de prestação de serviços.
Além da expressa previsão de um rol de direitos sociais, o sistema constitucional guarda uma série de disposições que servem como apoios objetivos para uma interpretação condizente com direitos à prestações. Cabe mencionar, principalmente, a obrigação do Estado em proteger a dignidade da pessoa humana, construir uma sociedade justa, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades, promover o bem de todos[7].
Tais disposições, conjuntamente às máximas gerais de igualdade e liberdade, também derivadas do sistema constitucional, servem como fundamento a direitos prestacionais, ainda que não previstos expressamente enquanto tais.
No rol de direitos sociais estabelecidos pela Constituição Federal de 1998 encontra-se o direito à educação, inserido no título referente aos “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título II), no capítulo que trata dos “Direitos Sociais” (Capítulo II).
A respeito de tal previsão, Marisa Timm Sari, baseada em Marcelo Castro, informa o seguinte:
“As disposições sobre educação inscritas na Magna Carta não foram conseqüência do trabalho técnico de um grupo ou da vontade de seus relatores, pois resultaram da contribuição dos diversos atores políticos que se envolveram na tramitação do projeto, desde os educadores e suas instituições até os parlamentares constituintes.”[8]
Apesar da referida previsão no título dos direitos e garantias fundamentais, é no título referente à “Ordem Social” (Título VIII) que se encontram os dispositivos que disciplinam o direito à educação.
A educação, enquanto direito de todos e dever do Estado, da família e, em parte, da sociedade, foi reconhecida como indispensável para o pleno desenvolvimento humano, com especial atenção ao exercício da cidadania e à qualificação profissional[9].
Especificamente quanto ao estabelecimento da forma como deve se efetivar o dever do Estado com a educação, interessa ao presente estudo a disposição expressa contida no texto constitucional de que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo[10].
José Afonso da Silva[11] esclarece que a primeira noção de direitos públicos subjetivos adveio do Estado Liberal, estando ligada à concepção individualista do homem. Essa definição, no entanto, tornara-se insuficiente para caracterizar os direitos fundamentais. Seu exercício dependeria da vontade do titular, que deles poderia dispor livremente, até mesmo renunciá-los ou transferi-los. Assim, cunhou-se, no âmbito do direito administrativo, uma noção mais condizente com os direitos fundamentais do homem. Passou-se a considerá-los como situação jurídica subjetiva em relação ao Estado, colocando os direitos fundamentais no campo do direito positivo.
Portanto, para a visualização correta do significado da previsão atual do direito ao ensino público e obrigatório enquanto direito público subjetivo, faz-se necessária uma análise histórico-comparativa a respeito do surgimento dos direitos sociais, da sua previsão enquanto direitos fundamentais e da evolução da concepção em torno especificamente do direito à educação.

1.1 - Análise crítica do Direito Constitucional Comparado: justificativa da utilização da análise comparativa no presente estudo
Constatada a necessidade de se recorrer a um estudo de direito constitucional comparado, a primeira preocupação deve ser elucidar, na esteira dos pressupostos adotados por Axel Tschentscher[12], que a análise dos textos legais constitui apenas o primeiro passo para uma análise profunda de um determinado instituto. Isso porque a compreensão do significado completo das palavras necessita do conhecimento do contexto em que cunhado o texto, da realidade política e histórica da época.
Nesse mesmo sentido, Palmer[13] explicita que é a realidade das crenças e comportamentos daqueles que operam a Constituição que revela o conteúdo do que realmente ela configura.
Portanto, para que não se obtenha uma “realidade distorcida”, evidencia-se a importância de se atentar ao contexto histórico e às crenças que o permearam, quando da efetivação do pretendido estudo histórico-comparativo acerca dos elementos que deram origem à moderna concepção do direito público subjetivo à educação.
Por outro lado, em que pese todas as imperfeições da análise textual, é inegável que o texto constitucional consiste em um ponto de partida para se obter o conhecimento acerca de determinada ordem constitucional. Os textos isolados são, de fato, insuficientes, mas contém a descrição dos elementos fundamentais da ordem política momentânea[14].
No entanto, tal preocupação não basta para legitimar o uso da pretendida análise comparativa na presente pesquisa. Conforme elucida Vergottini[15], a ciência da comparação possui três problemas básicos:
1) Função – para que se compara?
2) Objeto – o que se compara?
3) Método – como se compara?
O autor enfrenta os três problemas, de forma a trazer os parâmetros que devem balizar a pretendida análise comparativa do presente estudo.
A função primária da comparação é o conhecimento em si mesmo. Enquanto a secundária é a utilização dos resultados obtidos para o alcance de diversos objetivos, como a obtenção de parâmetro de referência para outros estudos, a consolidação de uma determinada ciência, uma comprovação de dados, a elaboração de textos normativos, a harmonização e unificação normativa.
Nesse aspecto, a presente pesquisa se preocupa, em termos de função secundária, com uma visão completa do instituto do direito público subjetivo à educação, recorrendo-se ao surgimento histórico dos elementos que lhe deram origem e a uma verificação do modo como é visualizado por outros ordenamentos, de forma a se alcançar todas as possibilidades de sua eficácia.
Dessa forma, também já se revela o objeto da pretendida análise comparativa, que se configura em uma microcomparação do instituto em questão, nos termos em que classificado por Vergottini.
Por fim, a despeito do método, do mesma forma se encontra aclarado, tendo em vista a necessidade traçada de se recorrer, inicialmente a uma análise histórico-comparativa para, em um segundo momento, se visualizar o instituto nos ordenamentos jurídicos atuais. Portanto, conforme classificação do recorrido autor, se realizará tanto uma análise histórica (ou diacrônica), ao se verificar os ordenamentos em sua sucessão no tempo, quanto uma análise espacial (ou sincrônica), ao se verificar o instituto em um momento determinado, qual seja, nos dias atuais.
Traçados tais parâmetros, passa-se à análise dos textos constitucionais e do contexto histórico em que surgiram os elementos que propiciaram o desenvolvimento do direito público subjetivo à educação.

1.2 - As fundações e ciclos das Constituições: o surgimento dos direitos sociais no ciclo social do constitucionalismo
Conforme já ressaltado, os chamados "direitos de segunda geração", categoria em que se encontram os direitos sociais, se desenvolveram após a Revolução Industrial e as primeiras conquistas dos movimentos sindicais.
A Revolução Industrial do século XVIII teve como conseqüência o surgimento da questão social.
O surgimento das máquinas, o crescimento da indústria e o aparecimento do proletariado desencadearam um processo de exploração da mão-de-obra, com estabelecimento de condições indignas de trabalho como excessivas jornadas, utilização das mulheres e menores, baixos salários, precariedade dos locais de trabalho e inexistência de leis que amparassem o trabalhador[16].
Nesse contexto, a partir da Revolução Francesa de 1789, iniciou-se um processo de reconhecimento das novas exigências econômicas e sociais, que logo se espalhou por toda Europa.
Em que pese o cunho liberal e individualista desta Revolução, a Constituição Francesa de 1791 previu a criação de um estabelecimento geral de Assistência Pública no antepenúltimo parágrafo do Titulo I:
"... será criado e organizado um estabelecimento geral de assistência pública, para educar as crianças abandonadas, ajudar os enfermos pobres e fornecer trabalho aos pobres válidos que não tenham podido encontrá-lo."
No entanto, nesse momento histórico em que se desenvolviam as fundações do constitucionalismo, a preocupação maior era com o valor da liberdade e o fim do Estado absolutista. Ainda não se podia falar na previsão de verdadeiros direitos sociais, já que o dever estabelecido possuía um sentido fraco, relacionado à benevolência, beirando a uma afirmação exortativa.
Foram os movimentos sociais do século XIX que buscaram aprofundar essa transformação, priorizando o valor da igualdade.
Em 1848, com o descontentamento dos trabalhadores com os excessos do capitalismo, e sob a influência do Manifesto Comunista de Marx e Engels, eclode uma nova Revolução na França.
Nesse contexto, a Constituição Francesa de 1848 iniciou o processo de criação do que viria a ser o Estado do Bem-Estar Social, instituindo deveres sociais do Estado para com os trabalhadores e os necessitados, conforme se verifica em seu artigo 13:
“A Constituição garante aos cidadãos a liberdade de trabalho e de indústria. A sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho [...]; ela fornece assistência às crianças abandonadas, aos doentes e idosos sem recursos e que não podem ser socorridos por suas famílias.”
Assim, sob a influência dos movimentos sociais, inicia-se o chamado ciclo do constitucionalismo social, com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de 1919. Foi nesse período em que se propôs a inclusão de direitos trabalhistas e sociais fundamentais nos textos das Constituições.
O título I da Constituição Mexicana de 1917, em seu artigo 5º, confere à liberdade de trabalho a qualidade de garantia individual:
"A ninguna persona podrá impedirse que se dedique a la profesión, industria, comercio o trabajo que le acomode, siendo lícitos. El ejercicio de esta libertad sólo podrá vedarse por determinación judicial, cuando se ataquen los derechos de tercero, o por resolución gubernativa, dictada en los términos que marque la ley, cuando se ofendan los derechos de la sociedad. Nadie puede ser privado del producto de su trabajo, sino por resolución judicial."
O Título VI, em seu artigo 123, regulamentou direitos trabalhistas, como a limitação da jornada de trabalho em 8 horas, a idade mínima para o trabalho e a proteção da maternidade.
Nesse mesmo sentido, o Título V da Constituição de Weimar consagrou os direitos trabalhistas e de seguridade social como direitos fundamentais, conforme se verifica nos seguintes dispositivos:

“Artigo 157
O trabalho está colocado sob a proteção particular do Estado. O Estado criará um direito unitário do trabalho.
(...)
Artigo 161
O Estado organizará, com o concurso adequado dos segurado, um sistema de seguros para a conservação da saúde e da capacidade de trabalho, a proteção da maternidade e a previsão contra as conseqüências econômicas da velhice, da invalidez e dos acidentes.
(...)
Artigo 163
Todo alemão tem, feita a ressalva de sua liberdade pessoal, a obrigação de empregar sua força intelectual e material de trabalho na forma que o exija o bem-estar coletivo. A todo alemão deve dar-se a oportunidade de adquirir, mediante seu trabalho, o necessário à subsistência. A lei regulamentará os detalhes particulares.”

É também no ciclo social que se consolida a previsão do direito fundamental à educação pública.
A Constituição Francesa de 1793 estabeleceu o ensino público como uma das garantias de direitos:
“A Constituição garante a todos os franceses igualdade, liberdade, segurança, propriedade, dívida pública, liberdade de crença, ensino público, assistência pública, liberdade de imprensa irrestrita, o direito de reunião em grupos, e o gozo de todos os direitos do homem.”

A Constituição Francesa de 1848 por pouco não deu um grande passo rumo à previsão do direito público subjetivo à educação, já que, antes da Insurreição de Junho, a Assembléia Nacional havia previsto o seguinte dispositivo:
“Art. 6. O direito à educação é o direito possuído por todos os cidadãos para o completo desenvolvimento de suas faculdades físicas, morais e intelectuais, através da educação gratuita fornecida pelo Estado”

No entanto, ao invés de tal previsão, após a repressão ao movimento operário, os professores foram colocados em um estado semelhante à disciplina e subordinação militar, restando a liberdade de educação subordinada à permissão das autoridades civis e eclesiásticas.
Todavia, em sentido inverso no que toca à ingerência de instituições religiosas no ensino, bem como já prevendo a gratuidade do ensino primário nas instituições oficiais, a Constituição Mexicana de 1917 trouxe a seguinte previsão:
“Ninguna corporación religiosa, ni ministro de algún culto podrán establecer o dirigir escuelas de instrucción primaria.
Las escuelas primarias particulares sólo podrán establecerse sujetándose a la vigilancia oficial.
En los establecimientos oficiales seimpartirá gratuitamente la enseñanza primaria.”

E, finalmente, a Constituição de Weimar de 1919 dedicou um Capítulo inteiro à educação e à escola, destacando-se a instituição do ensino público obrigatório e gratuito (artigo 145)[17], bem como a previsão de um fundo para permitir acesso dos pobres ao ensino médio e superior e ajuda financeira aos seus pais enquanto não terminado os estudos (artigo 146)[18].
Assim, em que pese a ausência de previsão expressa do direito público subjetivo à educação, é no ciclo social do constitucionalismo que se desenvolvem os elementos que possibilitarão o seu surgimento, tais como a previsão dos direitos fundamentais sociais, do ensino público gratuito e obrigatório, do valor igualdade (inicialmente formal e, posteriormente, em seu sentido material), do reconhecimento de deveres do Estado perante o indivíduo.
Tal surgimento, no entanto, dependeu não da alteração na forma escrita do direito à educação, mas da mudança de concepção dos citados elementos, de forma a se necessitar breve análise do fenômeno das mudanças constitucionais.
Próximos Capítulos:
1.3 - As mudanças constitucionais
2 - Os direitos fundamentais no Direito Constitucional Comparado
2.1 - A argumentação constitucional
2.2 - A justiça constitucional comparada
2.3 - O federalismo comparado
2.4 - A separação de poderes
[1] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 419.
[2] Ibidem, p. 420.
[3] Ibidem, p. 428.
[4] KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2002, p. 19.
[5] Ibidem, p. 19.
[6] “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
[7] A primeira obrigação referida é prevista na Constituição Federal como fundamento da República Federativa do Brasil:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
Já as demais obrigações constituem seus objetivos:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
[8] CASTRO, Marcelo Lúcio Ottoni de (1998). A educação na Constituição de 1988 e a LDB. Brasília: André Quicé. Apud SARI, Marisa Timm. A organização da educação nacional. In: LIBERATI, Wilson Donizetti (Org.). Direito à Educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 70.
[9] “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
[10] “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...)
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.”
[11] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 176-177.
[12] AXEL TSCHENTSCHER, LL.M. Comparative Constitutional Law. Disponível em: http://www.servat.unibe.ch/law/icl/compcons.html, acesso em setembro de 2009.
[13] PALMER, Matthew S.R. The Languages of Constitutional Dialogue. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1012892, acesso em setembro de 2009.
[14] AXEL TSCHENTSCHER, LL.M, Op. Cit.
[15] VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho Constitucional Comparado. Trad. Cláudia Herrera. México: Unam, 2004, p. 1 et seq (introducción)

[16] RAMOS, Elisa Maria Rudge. Evolução histórica os direitos sociais. Disponível em: http://www.lfg.com.br, acesso em setembro de 2009.
[17] “Article 145
Schooling is obligatory. This obligation is served by the Volksschule (20) with at least 8 school years and the school for further instruction, following on the former, until the completed 18th year. Instruction and learning aids are, at Volksschule and at schools for further instruction, free of charge.”
[18] “Article 146
Public schooling has to be organized organically. Middle and high schools are based on an elementary school common for everybody. For the organization of the school system the variety of occupations, for the acceptance of a child into a school his talent and inclination, but not the economic and social position nor the religious confession of his parents are authoritative.Within the communities, at the request of Erziehungsberechtigten (21), Volksschulen of their confession or world outlook have to be established, if this does not obstruct the regular operation of the school.
The wish of those Erziehungsberechtigter has, when possible, to be considered. Further details are specified by state legislation, according to principles laid down in a Reich law.Reich, states and communities have to provide funds to allow poor children access to middle and high schools, to grant financial aid to parents, whose children are regarded qualified for the education on middle and high schools, until their education is ended.”